É um show de besteiras, disse o general Santos Cruz, sobre o governo do presidente Jair Bolsonaro, ao ser demitido de maneira abrupta e deselegante de uma Pasta estratégica que controlava nesse governo. Talvez o desabafo do militar sobre sua passagem pelo Planalto seja a definição mais apropriada que se possa aplicar a esse arremedo de governo, que em quase seis meses não disse a que veio, recua com uma velocidade estonteante de decisões que toma, envolve-se em trapalhadas como a descoberta do contrabando de cocaína num avião da frota presidencial e, por fim, patina nos índices de aprovação, comparados com o percentual que lograra capitalizar logo após a investidura, ainda no embalo da mídia da campanha travada contra um PT desgastado por escândalos de corrupção e amputado pela prisão do seu líder maior, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Há quem indague a razão de tudo isso estar acontecendo, se, em tese, o governo tinha tudo para dar certo. Leda ilusão de ótica. Nem mesmo em tese estava escrito que um eventual governo Bolsonaro teria a chave da felicidade graças a soluções mágicas ou engenhosas para os graves problemas brasileiros. Aliás, a rigor, a proposta de um governo Bolsonaro permaneceu oculta do grande público e do eleitorado propriamente dito pela circunstância de que o capitão reformado do Exército, que incentivou o culto à personalidade em torno de si próprio, como uma espécie de mito (mito de quê, mesmo?), não esboçou nenhuma ideia comovente para tirar o Brasil do atoleiro em que se encontra. Bolsonaro, como se sabe, não fez campanha a céu aberto, o que, em parte, foi consequência da facada que recebeu de um lunático em pleno palanque na cidade de Juiz de Fora, Minas Gerais, mas em outra parte considerável resultou da incapacidade do candidato e do seu staff em oferecer um programa mínimo alternativo depois dos escândalos da Era petista que alçou ao poder Luiz Inácio Lula da Silva, este, sim, o mito acorrentado, e Dilma Rousseff, a antiga inquilina do Planalto, de codinome Cristal, pródiga em raciocínios tortuosos e humores ácidos nas relações interpessoais ou na comunicação direta com o grande público.
Bolsonaro poupou-se de debates para não alimentar polêmicas para as quais, seguramente, não teria respostas, muito menos alternativas, numa campanha que marcaria a ruptura da polarização entre PSDB e PT que vinha praticamente se enraizando no cenário político-eleitoral brasileiro. Foi tomado de empréstimo por parcelas expressivas da sociedade brasileira como uma espécie de terceira via entre os petistas e tucanos, perfil indiscutivelmente reforçado pela constatação de que se tratava de um outsider na política, inobstante a atuação parlamentar de quase 30 anos, obscura e inútil, equivale dizer, improdutiva, sem registro de projetos eloquentes de interesse público. O capitão Jair revelou-se uma espécie de figura caricata na campanha presidencial, insípida e anódina. A combinar com esse desenho, a ausência de estofo intelectual, que empurrava sua figura para as franjas do populismo, único território em que poderia deslanchar fosse como fosse.
Sim, mas cabe perguntar o que foi mesmo que a maioria do eleitorado enxergou nesse cidadão que hoje é o presidente da República, porque a verdade é que ninguém cai de paraquedas dentro do Palácio do Planalto. Este é o enigma, que, curiosamente, talvez forneça a explicação para a circunstância de que, afinal de contas, Bolsonaro está no Planalto, com a caneta recheada e poderosos instrumentos de barganha com políticos, acenados como moeda de troca para garantia da governabilidade, esse fantasma que assustou presidentes indistintamente, de Getúlio Vargas a Luiz Inácio e Fernando Henrique Cardoso. Bolsonaro é presidente porque galvanizou as expectativas do combate à corrupção à guerra contra a criminalidade e diante da ilusão de que inauguraria um tempo como nunca antes visto na história do Brasil. O eleitorado majoritário que o sufragou deixou-se enredar por miragens ou pela necessidade premente de utopias, depois de tantos arrependimentos acumulados por causa de frustrações infligidas por falsos profetas ungidos nas urnas.
A reforma da Previdência, dependendo de como vier, poderá abrir uma luz no fim do túnel por onde passa o governo do presidente Bolsonaro? É o que se vai ver, já que a correlação de forças no Congresso Nacional a respeito do tema é instável para o governo, derrotado perifericamente em algumas votações, num sinal de que nem tem articulação política respeitável nem comunicação eficiente com a população que possa ser traduzida por medidas que a beneficiem. Daí, essa rejeição, essa impopularidade constante nos índices de pesquisas que o presidente parece ignorar, cometendo mais um grave erro de cálculo e de estratégia.
Nonato Guedes