As manifestações de rua no Brasil, que vinham contemplando pautas gerais de interesse público, como o protesto contra os cortes nas Universidades e também protestos contra a reforma da Previdência, estão descambando para a fulanização, ou seja, para a concentração em torno de figuras. É um dado novo numa conjuntura atípica que o país vive mas talvez sua origem remonte à jornada das manifestações de rua de 2013, no governo de Dilma Rousseff, em que se parou o país por aparente combustão espontânea. Na verdade, havia grupos de ativistas políticos infiltrados ou comandando essas manifestações, com disparos de convocatória feitos através de redes sociais. Mas não havia o rosto do líder, daquele que galvanizava o sentimento das massas disformes. E ninguém assumia vínculo com partidos políticos legalizados ou com organizações extremistas que estão fora da lei e, portanto, do jogo que é travado no caminho das urnas.
Para este domingo já pipocam convocatórias de manifestações em um sem número de cidades do Brasil, em apoio ao ministro Sérgio Moro, que se diz vítima de manobras de desestabilização por ter contrariado interesses e colocado gente influente na cadeia, inclusive, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O apoio a Moro se estende, naturalmente, à Operação Lava-Jato, que até agora foi o grande feito da biografia do ex-juiz que ganhou projeção na República de Curitiba e que estaria sendo alvo de tentativas de sabotagem por parte dos que defendem a impunidade, ora porque estão enroscados em maracutaias e passíveis de punições rigorosas, ora porque idolatram os algozes de Moro, devido às ligações deste com o presidente Jair Bolsonaro desde que passou a ser seu ministro da Justiça e da Segurança Pública.
Ainda na sexta-feira em São Paulo o governador João Doria, do PSDB, que aspira à Presidência da República, promoveu um evento para condecorar o ministro Sérgio Moro, cujo perfil foi traduzido por ele como o de um juiz desassombrado, que tem enfrentado pressões terríveis e ameaças contra a própria vida mas não desfaleceu diante do desideratum que lhe cabia cumprir cumprindo, ou seja, pôr na cadeia os arautos do assalto aos cofres públicos patrocinado nos últimos anos. Essa definição, aliás, foi usada por um ministro do Supremo Tribunal Federal durante o julgamento do mensalão, referindo-se a petistas de envergadura que integraram uma organização criminosa sem precedentes no universo político do país. E pensar que o mensalão era fichinha diante do petrolão e de outras investidas que acabaram tornando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva um presidiário, que não tem perspectiva de recuperar a liberdade de bate-pronto, apesar do generoso empenho de ministros do Supremo Tribunal Federal para salvar seu pescoço da guilhotina.
O risco embutido na fulanização de manifestações de rua é o de desencadear uma espiral de atos públicos contra ou a favor de determinada pessoa ou figura proeminente da cena nacional, seja de que esfera de poder se origine. A fulanização não é uma fórmula salutar de manifestação democrática. Pelo contrário, pode provocar uma Babel cujo desaguadouro será a anomia política, em que de nada valerão os partidos e as organizações políticas que atuam dentro do eixo da pluralidade e dos princípios éticos. A anomia é um passo para a anarquia generalizada, o que só vai piorar as coisas num país que ainda não tomou fôlego em matéria de ativismo político desde a campanha presidencial de 2018 que ungiu Jair Bolsonaro contra Fernando Haddad, do PT, o alter-ego do ex-presidente Lula, que não pôde ser candidato por estar presidiário.
Setores mais esclarecidos da opinião pública querem saber quando, finalmente, será desarmado o palanque da campanha de 2018. Ou seja, quando sairá de cena o Fla X Flu político entre lulistas e anti-lulistas, petistas e antipetistas um enredo que tem exaurido as energias e os argumentos dos que estão diretamente envolvidos, ou atolados até o gogó, nessa rinha de cordões, nesse rondó de quermesse política-ideológica. Há, embutida na manifestação convocada para este domingo, uma pitada de ironia: militantes do Movimento Brasil Livre estarão nas ruas para se solidarizar com Sérgio Moro e clamar por sua permanência no ministério da Justiça. Certamente passaram uma borracha na frase dita por Sérgio Moro de que eles, os militantes do MBL, eram uns tontos. É um dado que conduz a uma constatação: a democracia plena que se respira no país, mesmo a golpes de agressões verbais e enfrentamentos físicos, está cevando novamente o script de um perigoso maniqueísmo, que poderá levar de roldão as conquistas democráticas e paralisar o país no turbilhão da incerteza, alimentada pela algaravia dos ativistas. Que Deus reze redobrado pela sorte desta terra…
Nonato Guedes