Na definição de Caetano Veloso, ele era o maior artista brasileiro. O baiano João Gilberto, um dos pais da Bossa Nova, morreu hoje no Rio de Janeiro aos 88 anos de idade. Ele estava muito debilitado desde a morte da amiga e ex-mulher Miúcha, também cantora, em dezembro do ano passado. Além do mais, João Gilberto estava no centro de uma briga barulhenta e pública entre filhos pela sua tutela, episódio que chegou à Justiça e o levou da reclusão total para a exposição nas redes sociais. O autor de Chega de Saudade e inúmeros outros sucessos, era tido como um gênio e um dos maiores inovadores do violão, que transplantou para a Bossa Nova e influenciou gerações de artistas no Brasil e no exterior.
Desde novembro de 2017, quando a Justiça determinou sua interdição por falta de condições para se cuidar, a música deu lugar a baixarias sem fim na família Gilberto, como registrou, em matéria na revista Veja, a repórter Fernanda Thedim. No mais recente round de desavenças vinham se enfrentando de um lado Bebel, 53 anos, filha dele com a cantora Miúcha, e detentora da curatela do pai, e de outro o meio irmão João Marcelo, 59, produtor musical, filho de João Pessoa com a primeira mulher, Astrud. Dois processos abertos por Bebel em maio no Rio denunciam João Marcelo por injúria e difamação contra ela e a mãe, em postagens na conta dele no Facebook.
Ele contra-atacou afirmando que foi alijado do pedido de curatela. Acusou Bebel, numa entrevista, de ter sérios problemas de saúde. É alcoólatra e viciada em drogas. Não tem condições de cuidar de si, muito menos do nosso pai. Ela entra na casa dele berrando, ameaçando todo mundo, disse. Entre as postagens que Bebel se empenhou em tirar do ar está o trecho divulgado por João Marcelo de um vídeo de quase oito minutos gravado na sala do apartamento de João Gilberto, no Leblon, Zona Sul do Rio de Janeiro. Nele, o centro do palco é ocupado por um terceiro elemento na trama, Maria do Céu, figura que há décadas entra e sai da vida de João Gilberto, às vezes namorada, às vezes amiga, às vezes protegida. No vídeo, Maria, que há dois anos morava com João, fala sem parar, despejando insultos contra Bebel drogada, dissimulada, interesseira, mau-caráter, também presente na cena. Irritado com a gritaria, o compositor repete algumas das ofensas e pede que a filha se retira. Ela tenta argumentar mas no fim desiste e vai embora.
João Marcelo, radicado nos Estados Unidos, afirmou que seu pai estava nos últimos dias de vida e não merecia passar pelo que estava passando. A seu ver, João Gilberto tinha condições de tocar a sua própria vida e Bebel só atrapalhava. O produtor musical fulminou: A verdade é que Bebel é uma sociopata. Em paralelo com todo esse drama, João Gilberto estava endividado por aluguéis atrasados e apresentações canceladas. Calculava-se que provavelmente ele só teria a vida financeira estabilizada quando, enfim, recebesse uma bolada calculada em perto de 100 milhões de reais da EMI, hoje incorporada pela Universal, ao fim de um longuíssimo processo movido contra a gravadora. Em março, a Nona Câmara do Tribunal de Justiça lhe dão ganho de causa: a decisão foi confirmada em segunda instância, mas ainda cabia recurso. Fatos lamentáveis que certamente contribuíram para piorar, ainda mais, as precaríssimas condições de saúde de João Gilberto. Para além do ocaso melancólico na vida pessoal e familiar, sobressai o legado de um cantor e compositor que marcou época na história da Música Popular Brasileira e foi aclamado no exterior pelo seu inexcedível talento.
Nonato Guedes, com agências e Veja