A conquista da Copa da América pela Seleção Brasileira de Futebol Masculino, em pleno domingo, no Maracanã, ao derrotar a Seleção do Peru por 3 X 1, era tudo que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) e seus áulicos queriam para desencadear uma nova onda de ufanismo no Brasil, exacerbando valores como o nacionalismo e o patriotismo. Bolsonaro, que foi ao Maracanã confraternizar-se com jogadores e enfaixá-los, ainda que tenha enfrentado vaias abafadas pela comemoração e a hostilidade do treinador Tite, já deu a senha: para coroar ainda mais o ufanismo, só falta aprovar a reforma da Previdência. Jogou a bola para o plenário da Câmara dos Deputados, onde políticos coçam as cabeças para decidir sobre como votar. O presidente tem procurado trazer de volta elementos como Moral e Civismo, que fizeram parte do currículo das escolas públicas em períodos distintos da história do Brasil.
Adversários de Bolsonaro, empenhados em fustigá-lo sempre, foram às redes sociais debochar da própria Seleção Brasileira, afirmando que ela só conquista Copa América, já que Copa do Mundo ficou para trás no portfólio da Canarinho. Em paralelo, outros manifestantes preferiram valorizar o futebol das jogadoras brasileiras, comandadas por Marta, que não conseguiram ir muito longe, até a finalíssima, por exemplo, mas tiveram boa performance e abriram uma janela para rivalizar com o futebol de Gabriel Jesus, Everton Cebolinha e do próprio Neymar, afastado da competição por problemas na condição física e abalos emocionais resultantes da acusação de estupro contra uma modelo.
Capitão reformado do Exército, Jair Bolsonaro aproveita-se da sua condição de desportista fanático para faturar politicamente em estádios, durante partidas decisivas, como havia feito na do Palmeiras, em São Paulo. Historiadores fazem uma comparação entre o ufanismo que Bolsonaro incentiva com a pregação, há 120 anos, do conde monarquista Affonso Celso, autor do livro Por Que Me Ufano do Meu País, em que invocava a superioridade do Brasil por sua territorialidade, belezas naturais, clima ameno e índole feliz. A obra de Affonso Celso, dirigida a seus filhos, em tom de reflexão, veio a lume por ocasião do quarto centenário do Descobrimento do Brasil e à certa altura o autor chega a dizer que ser brasileiro significa distinção e vantagem, rechaçando qualquer complexo de inferioridade que o País poderia ter, já que, na sua visão, as riquezas e potencialidades arrastariam o Brasil para a trilha das grandes potências. O livro de Affonso Celso despertou críticas e até colunas irônicas em jornais, uma delas no jornal O Estado de S. Paulo, intitulada Por Que Não Me Ufano Do Meu País, tendo tido o autor o cuidado de dizer que não significava anti-brasileirismo de sua parte.
Além de Affonso Celso, os ufanistas no Brasil passaram a mirar-se na obra do romancista, poeta, dramaturgo, jornalista e biógrafo austríaco Stefan Zweig, intitulada Brasil, país do futuro. Era um grande retrato do Brasil sob a ótica de um estrangeiro e não um estrangeiro qualquer, como lembra Jaime Klintowitz no livro A história do Brasil em 50 Frases, lembrando que Stefan Zweig era um dos escritores mais famosos e lidos do mundo. Ele esteve duas vezes no Brasil a primeira em 1936, a caminho de um encontro literário em Buenos Aires. Partiu impressionado com a paisagem exuberante, a vastidão do território e a cordialidade com que foi recebido. Voltou definitivamente em 1940, quando tudo mudara o seu próprio país, a Áustria, desaparecera engolido pela Alemanha nazista. Zweig era então um refugiado judeu. Com sua segunda mulher, Lotte, foi viver em Petrópolis, região serrana do Rio, onde finalizou sua autobiografia (O mundo que eu vi), escreveu novela e o que o jornalista Alberto Dines chamou de o mais famoso de todos os textos que se escreveram sobre o Brasil. O livro é um panegírico, hino de louvor e esperança por uma terra que fascinou e emocionou o escritor. Zweig via possibilidades infinitas de o Brasil se desenvolver econômica e socialmente, mas, na opinião de Klintowitz, é um texto tolo, desprovido de senso crítico. Em 1942, Zweig escreveu uma carta de despedida e se suicidou com a mulher, tomando uma dose fatal de barbitúricos. Deixou cravado o seu profundo agradecimento ao Brasil, que chamou de país maravilhoso, pela hospitalidade que lhe propiciou.
Futebol e política andaram de mãos dadas em outras oportunidades, inclusive na ditadura militar instaurada em 1964, através de vários presidentes. O mais identificado com o esporte bretão era o general Emílio Garrastazu Médici, que costumava ir a jogos no Maracanã com um radinho de pilha colado ao ouvido e que procurou faturar ao máximo a conquista do tricampeonato no México, em 1970, pela Seleção Brasileira de Pelé, Tostão, Rivelino e outros astros de uma das melhores constelações futebolísticas do solo pátrio. Enquanto Médici participava das festas em homenagem à Seleção, nos porões da ditadura, e do seu governo, ocorriam cenas de tortura e violência física contra presos políticos que se opunham ao golpe militar. O conhecimento, mais tarde, desses episódios verificados nos subterrâneos da ditadura acabou refreando o entusiasmo pela associação governos-futebol e fez com que os torcedores brasileiros incorporassem as vaias ao seu repertório, inclusive, à presidente Dilma Rousseff, do PT, quando da Copa das Confederações travada no Rio. Nelson Rodrigues, cronista inesquecível do futebol, era quem proclamava com autoridade ainda hoje reconhecida, apesar do passionalismo: No Maracanã, vaia-se até minuto de silêncio.
Nonato Guedes