Certos brasileiros não vamos generalizar reclamam do Brasil até quando ele é campeão. Isto se deu, ontem, nas redes sociais, quando alguns recalcados, digamos assim, blasonaram porque a Seleção Masculina de Futebol conquistou, pela nona vez, a Copa América. E com um jogador a menos, numa partida que se tornou dramática e numericamente desigual. O placar foi de 3 a 1 contra o Peru. O presidente Jair Bolsonaro, que tem se revelado mais desportista do que presidente, foi ao Maracanã e, naturalmente empurrado pelos gritos de Mito, tentou faturar em cima do resultado. Besteira. O mérito foi dos meninos, que suaram em campo e em nenhum momento baixaram a guarda. Bom dia, Cebolinha, você foi a sensação. Parabéns, Tite, inclusive, pela performance cardíaca. Afinal, como dizia o Galvão Bueno, haja coração.
O cenário do domingo sete de julho de 2019 foi o cenário a que brasileiros e brasileiras se acostumaram tanto tempo e que vinha ficando desbotado por conta das derrotas sucessivas, da autoestima lá em baixo, das bandalheiras de uma elite política anacrônica e da fuga de cérebros e de quadros valorosos para o exterior motivada pela situação ideológica irrespirável aqui dentro. A conquista da Copa América foi uma construção paciente, que teve lances de descrença do torcedor médio. Afinal, tudo tem dado errado, não é mesmo?, desabafam alguns, não sem uma ponta qualquer de razão. É preciso notar que, para além da vitória dos meninos, tivemos a ascensão das meninas, aquelas que integram a Seleção da Marta, como conhecemos. Foram belas, ousadas, guerreiras, e cravaram um ponto que vai ficar como sinal de emulação: torcer pelos meninos ou pelas meninas? Que tal torcer por jogadoras e jogadores?
Na véspera da decisão da Copa América havíamos perdido o gênio que sintetizou a nossa mais perfeita tradução na música: João Gilberto. Caímos em pranto. O silêncio espalhou-se do Oiapoque ao Chuí, de Norte a Sul, onde soaram os acordes de Chega de Saudade. Descansa em paz, Mestre, a gente vai cuidar da sua memória, do seu legado. Tivemos que encarar a finalíssima de ontem porque o tempo não para, como dizia Cazuza, senão por um minuto, para a reverência protocolar, de praxe. E o Bolsonaro, coitado, limitando-se a dizer que João Gilberto era um brasileiro conhecido no exterior. Muito conhecido, presidente. Demais até. Muito mais do que o Senhor Presidente. João Gilberto era (continua sendo) símbolo exponencial do Brasil, meu Brasil, patrimônio incorporado à galeria dos nossos deuses. Sim, temos deuses, astronautas e campeões de futebol.
Ainda assim, o idiota da objetividade (saudades de Nelson Rodrigues, o Anjo Pornográfico) foi às redes sociais, não as do gol, para obtemperar que o Brasil já não ganha Copas do Mundo, apenas Copa América. Que bom que ainda temos uma taça para chamar de nossa. Esses idiotas, que, conforme Nelson, são incorrigíveis (devem ser, também, tremendamente chatos, sem fair=play), constituem a porção negativa da nossa sociedade multiculturalista. Como tal, são minoria. Talvez sejam adeptos do quanto pior, melhor, embora finjam, para consumo externo, que são mais patriotas (não gosto muito desse termo, mas vá lá) do que o mais patriota dos brasileiros o cidadão comum, que enfrenta inúmeras filas todos os dias porque sobreviver é preciso e governos passam.
É possível que um leitor desavisado estranhe o tom misturado dessa crônica, mesclando elementos da música, do futebol e da política. Mais eis o que eu queria dizer, se tivesse o poder de síntese: o Brasil é esse caleidoscópio. Nós temos a liberdade de encaixar numa mesma conversa o Cebolinha e o João Gilberto sem que isto signifique um sacrilégio. É que aqui pulsa a variedade de cores, de contrastes, de abismos sociais entre ricos e pobres, de distância olímpica entre os vivos e os vivos demais. E a gente vai levando, como dizia o grande Chico Buarque, porque o melhor do povo brasileiro é a sua capacidade de superar adversidades, de surpreender com talentos, de remar contra a maré, e, gloriosamente (pasmem os incrédulos) de dar a volta por cima.
Esta coluna é um canto de amor ao Brasil, de aposta na riqueza inesgotável que ele ainda não mostrou, de confiança no potencial inato que ele tem, para acima de Fla x Flus ideológicos e políticos de quem quer o pudê para poder ter, não para poder fazer. Obrigado, governantes e políticos da oposição, pela boa intenção. Mas o brasileiro sabe se virar sem o consentimento ou as migalhas das elites. João Ubaldo Ribeiro, você era quem tinha razão. Um viva ao Povo Brasileiro!!!
Nonato Guedes