O anúncio, pelo governador paraibano João Azevêdo, de reação ao projeto de reforma da Previdência do governoJair Bolsonaro, que deve começar a ser votado hoje na Câmara Federal, fez parte da praxe inerente ao cargo de titular do Executivo que o socialista empalma. Mas por trás dessa formalidade assoma, com nitidez, a impressão digital do ex-governador Ricardo Coutinho, presidente estadual do PSB, presidente da Fundação João Mangabeira e eleitor decisivo de Azevêdo na campanha em que ele emergiu vitorioso em 2018 no primeiro turno. Ricardo é adversário número 1 de Bolsonaro. Tomou inimizade por ele à proporção que estreitava o reatamento de laços com o PT, onde iniciou trajetória política e do qual saiu antes de ser expulso porque cortejava a indicação como candidato a prefeito de João Pessoa, que acabou obtendo e se dando bem no Partido Socialista, à custa de destronar a combativa advogada criminalista Nadja Palitot, que fazia trabalho de formiguinha na sigla cujo emblema era Miguel Arraes, substituído pelo neto Eduardo Campos, de ascensão cortada por acidente aéreo.
Embora seja cada vez mais pulsante a desenvoltura de João Azevêdo em ocupar a posição de destaque que lhe cabe por razões óbvias e por temperamento decidido, tem havido espaço para a atuação paralela de Ricardo Coutinho, no mister de influencer político dentro da gestão que o sucedeu na circunstância ou sob o compromisso de dar continuidade à Era Ricardo, como ficou conhecida a quase década que ele enfeixou nas mãos, sem falar no período em que deu as cartas na prefeitura de João Pessoa, capital do Estado e principal cidade da Paraíba. Conquanto não se esforce em tentar ofuscar a imagem e o governo de João Azevêdo, Ricardo maneja os cordéis com habilidade para dividir fatias de poder de forma sutil. Não emula ostensivamente com o sucessor, embora se traia, aqui e acolá, ao realçar em entrevistas as diferenças no estilo de governar e na argamassa dos perfis, entre ele e o sucessor. Ricardo não interfere, mas é ouvido, sim, no governo Azevêdo.
O problema é que o Não da Paraíba ao projeto de reforma da Previdência de Bolsonaro e sua equipe amestrada é uma incógnita do ponto de vista das consequências que poderão advir, não deixando de faltar quem alerte que o Estado pode vir a pagar um preço muito caro, em termos de retaliação por parte do Planalto. Esta é uma hipótese sempre duvidosa, porque a relação do atual governo central com os governos estaduais tem contornos muito etéreos. Um exemplo concreto? No mesmo dia em que Azevêdo praguejou contra o governo federal, acusando-o de penalizar Estados e municípios ao concordar com a exclusão deles do projeto original de reforma previdenciária, o governador acertou com o ministro da Infraestrutura a data para assinar termo que permitirá o início das obras do Veículo Leve sobre Trilhos em Campina Grande. Ou seja, em termos administrativos, há uma relação de morde e assopra entre a ilha socialista paraibana e o governo bolsonarista. De resto, perante a opinião pública local, embora haja resíduos de dúvidas sobre tratamento republicano à Paraíba, sobressai a expectativa secreta de que Bolsonaro não vai prejudicar um Estado do Nordeste por divergência com o governo local.
No fundo, no fundo, há uma briga eminentemente política pela demarcação de posições e ocupação ou preservação de espaços e esta parte é conduzida diretamente pelo ex-governador Ricardo Coutinho, sem contestação tácita ou explícita da parte de Azevêdo. Até porque Ricardo põe-se no figurino de dirigente partidário, e um dirigente de prestígio e com acolhida nas esferas federais, pelo perfil de ideólogo que passou a desempenhar desde que se desincumbiu dos desafios administrativos. A decisão do PSB paraibano de fechar posição contra o projeto de reforma que tem o aval de Bolsonaro e seus aliados foi tomada numa reunião da Executiva nacional do Partido Socialista. É claro, vale repetir, que Coutinho foi ouvido e cheirado na formatação da resolução ou na consecução do desideratum. Mas, de resto, a bancada propriamente dita do PSB paraibano se resume a um deputado Gervásio Maia, que antes de receber ordens já era contra Bolsonaro e a reforma dele desde criancinha. Há a influência do governo Azevêdo sobre deputados federais de outros partidos, teoricamente discípulos da sua base. Mas isto é relativo, bastando cotejar uma situação paradigmática: Damião Feliciano, do PDT, marido da vice-governadora Lígia, é contra o projeto de Bolsonaro, afinando-se, inclusive, com a orientação de cúpula do seu partido. Já Efraim Filho, do DEM, cujo pai ocupa uma secretaria no governo Azevêdo, é plenamente favorável ao projeto de reforma de Bolsonaro e nem por isso há rompimento à vista.
Política continua sendo exercício de pragmatismo, daí ocorrerem essas situações todas. Passando a reforma, como tudo indica, independente dos votos pingados do esquema governista-ricardista paraibano, nada impede o presidente Bolsonaro de ser benevolente com o povo paraibano e, por isso mesmo, contemplar o Estado com investimentos impensáveis para desinformados. Aliás, os indícios são claros de que, mesmo com linhas cruzadas, a fonte que irriga a Paraíba e vem de Brasília não secou. Menino, quem foi teu Mestre?
Nonato Guedes