Os deputados federais paraibanos Gervásio Maia (PSB), Frei Anastácio Ribeiro (PT), Damião Feliciano (PDT) e Hugo Motta (PRB) tinham todo o direito e a mais absoluta liberdade para votarem contra o texto-base da reforma da Previdência que foi encaminhado à Câmara pelo presidente Jair Bolsonaro. Afinal, fazem oposição ao governo federal e seguem o diapasão do governador João Azevêdo (PSB) e do ex-governador Ricardo Coutinho de que a reforma era antipovo e, além do mais, prejudicial a Estados do Nordeste, como a Paraíba. O texto-base foi aprovado, ontem, por maioria acachapante, e resultou do script a sensação de que, a pretexto de mostrar heroísmo, os quatro cavaleiros do Apocalipse da Paraíba ficaram na contramão da História e do sentimento ecoado da voz rouca das ruas.
Afinal de contas, a aprovação da reforma da Previdência tem crescente apoio popular o que não significa, necessariamente, apoio ao governo Bolsonaro. Está se falando de uma questão que desafiou inúmeros governos, de Fernando Henrique a Luiz Inácio Lula da Silva, passando por Dilma Rousseff e Michel Temer, sem que tenha sido equacionado a contento. No governo Lula, parlamentares petistas sobre cuja lealdade não pairavam dúvidas chegaram a ser fuzilados com expulsão porque teriam cometido a heresia da infidelidade, descumprindo ordens emanadas da cúpula. Ninguém está contestando que foi pago um preço muito caro para a aprovação em primeiro turno, nas últimas horas, do texto-base. O governo Bolsonaro rasgou a promessa de campanha de não aderir ao toma lá, dá cá e acabou cedendo mediante liberação de recursos oriundos de emendas parlamentares. Nada que não tivesse sido feito em governos anteriores no de Fernando Henrique, ele foi acusado de comprar a aprovação da emenda da reeleição. No governo Lula pipocou o mensalão, que nada mais era do que uma mesada para comprar apoio parlamentar a matérias de interesse do poder.
Infelizmente, essa cultura fisiológica não mudou e não há garantias de que venha a mudar radicalmente, de uma hora para outra. O presidente da República pode até ter o desejo sincero de extirpar o cancro da relação fisiológica não-republicana, mas no Brasil ninguém governa sem fazer concessões, como já foi dito por vários ex-presidentes em depoimentos a Geneton Moraes Neto. Em relação ao presidente Bolsonaro, o bombardeio foi maior porque o país continua dividido politicamente ao meio e o PT e segmentos da oposição não desarmaram o palanque nem vão desarmar. Portanto, a um cão danado, todos com ele, como se diz no jargão popular. Acresce que o governo Bolsonaro tem nítidas dificuldades de comunicação com a opinião pública, sobretudo quanto a medidas amargas ou impopulares, e padece de um defeito congênito: a falta de articulação política competente no Congresso e no governo, que facilite a predominância do argumento sobre o fisiologismo.
Tanto é assim que o consenso difundido nas últimas horas projeta a figura do deputado Rodrigo Maia, presidente da Câmara e expoente do Democratas, como o grande articulador responsável pela colocação da reforma em votação e pela aprovação da matéria. Na definição extraída do almanaque de caserna que é leitura de cabeceira de Bolsonaro, Maia foi o grande general de uma batalha que teve momentos de tensão, de chantagem emocional para efeito de média junto ao eleitorado e, sobretudo, de pressão organizada para o boicote pelo simples desejo de derrotar Bolsonaro, tentar desmoralizá-lo e fazer o seu governo sangrar em apenas seis meses. A turma do contra não perdoa Bolsonaro por ter sido eleito, e tudo que vem da sua lavra, com seu sinete, desperta resistências.
É fora de dúvidas que, do ponto de vista da estratégia política, o governo do presidente Bolsonaro se assemelha a um queijo suíço, cheio de furos. Não é, nem de longe, um primor no campo da articulação, confiada a figuras reconhecidamente amadoras no mister político e a deputados-militares que entendem muito de Ordem Unida e quase nada do ato de parlar ou dos meandros da atividade política, que impõe avanços e recuos, na dependência de como se comporta a correlação de forças. Ainda assim, foi com esse exército de amadores, neófitos ou outsiders em política que o presidente Bolsonaro atravessou a metade do Rubicão, molhou-se nas águas e acumula energias para finalizar a travessia um processo que ainda passará por segundo turno na Câmara dos Deputados e seguirá para o Senado, com imprevisibilidade de prognósticos, embora já haja um ponto de partida, uma referência favorável.
Não há como não reconhecer a vitória do governo do capitão reformado e, por via de consequência, a derrota de frações da pseudo-esquerda brasileira, indiferente ao sentimento das ruas. E fica difícil, extremamente difícil, para a oposição, premiar o presidente Bolsonaro com as batatas, de preferência, as quentes. O governo dele vai aprendendo, aos poucos, a se especializar em descascar batatas, sobretudo as quentes.
Nonato Guedes