O presidente da Associação Nacional de Procuradores da República, Fábio George Cruz da Nóbrega, que é paraibano, ao avaliar o projeto das dez medidas contra a corrupção aprovado no Senado, questionou o trecho que define o chamado abuso de autoridade, salientando que apesar da relevância não há clareza a respeito, mas um teor subjetivo de difícil compreensão que pode dificultar o trabalho do Ministério Público e da magistratura. Menciona como exemplo o pretexto de que a atuação com motivação político-partidária é vedada. Que conceito é esse, o que se enquadra e o que não se enquadra nele? Ninguém sabe, porque não está claro, verberou Fábio George, em declarações à revista Época, tendo sido sabatinado sobre temas comuns juntamente com o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz.
Felipe, ao falar, especificamente, sobre o trecho que define o abuso de autoridade, argumentou: É um passo importante. Em um estado democrático de direito, ninguém está acima da lei. É óbvio que aquele que abusa do poder que lhe é conferido deve ser responsabilizado. O representante da OAB considera que se trata apenas de uma medida que visa a coibir excessos. Fábio George, contudo, assevera: Para os juízes, há uma vedação quase completa. Para nós, o texto foi formulado de uma maneira tão subjetiva que o que estamos ouvindo é que os colegas estão com receio de cumprir suas funções do dia a dia, inclusive realizar entrevistas coletivas. Porque não sabem os limites da lei. Fábio George disse que houve surpresa com a notícia de que o processo seria votado de maneira açodada, sem construção coletiva ou audiências públicas, o que provocou a mobilização de procuradores para tentar contornar alguns óbices. Mas frisou que as inquietações perduram.
– Qualquer momento é adequado (para se discutir o abuso de autoridade) desde que se tenha um processo transparente, de diálogo, ouvindo-se a sociedade. O Poder Legislativo pode tratar desses temas todos e é importante que o faça, mas obedecendo a trâmites democráticos expressou, ainda, o presidente da Associação Nacional de Procuradores da República, que integrou ainda o Conselho Nacional do Ministério Público e foi procurador-chefe da Procuradoria da República na Paraíba. Fábio Nóbrega foi quem levou, inclusive, ao presidente Jair Bolsonaro, na semana passada, a lista tríplice votada em todo o país para a escolha de novo titular da Procuradoria-Geral da República ante a iminência do término do mandato da Procuradora Raquel Dodge. Na audiência, Bolsonaro deixou dúvidas sobre se escolheria o nome mais votado na consulta que resultou na elaboração da lista tríplice.
Fábio George disse que são positivas outras medidas do pacote, como a criminalização do caixa dois e o aumento de pena para certos crimes. Lamentou, entretanto, que não tenha ocorrido uma ampla discussão pública a respeito dessas questões. A Lava-Jato, a Greenfield, a Zelotes, todas essas grandes operações de combate à corrupção acabam tendo uma repercussão positiva nesse quadro. Mas, no dia a dia, ainda sentimos que temos uma enorme dificuldade de, ao final, atingirmos não só a aplicação da pena, mas também a recuperação do dinheiro desviado. O sistema precisa ser modificado. Muitas dessas ideias estão no projeto que foi aprovado, outras não, enfatizou presidente da Associação Nacional de Procuradores da República.
Por sua vez, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil lembra que a pertinência da discussão de certos temas e da definição de medidas para discipliná-los tem a ver com o grande protagonismo exercido na conjuntura brasileira pelo Poder Judiciário. Disse, também, que a sociedade hoje acompanha, em seu cotidiano, os temas jurídicos com grande atenção. É um momento apropriado porque todos estão atentos a questões como a imparcialidade ou a parcialidade de um juiz, os limites de atuação do Ministério Público Federal, esclareceu Felipe Santa Cruz, que é natural do Rio de Janeiro, cuja seccional da OAB presidiu. Lembrou que há muitos projetos em tramitação abordando o abuso de autoridade e que é possível que haja projetos melhores. Mas o projeto atual partiu de uma grande negociação parlamentar. Ele foi o consenso possível. No futuro, nós podemos aprimorar os instrumentos, destacou.
Nonato Guedes