Com graves problemas postos na mesa, o presidente Jair Bolsonaro insiste em focar no varejo. Valeu-se de seu púlpito predileto a rede social, para criticar a taxa cobrada nas visitas a praias da ilha de Fernando de Noronha, Pernambuco. Disse que a taxa é um roubo praticado pelo governo federal e que vai rever a cobrança. E usou o exemplo para repisar a tecla de que inexiste turismo no Brasil porque não há atrativos; pelo contrário, há empecilhos. A taxa para entrar nas praias do Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha é de R$ 106 para brasileiros e de R$ 212 para estrangeiros. 70% do valor do ingresso destinam-se a melhorias no parque, como projetos de reforma e manutenção de trilhas ecológicas.
O assunto é discutível, isto é fora de dúvidas, porque, de um lado, envolve a atração de turistas e, de outro, a preservação ecológica. O desafio que se coloca é o de conciliar essas duas situações. Haveria pano pra manga, em tese, para sustentar uma incursão do presidente da República nesse terreno. A questão é que Bolsonaro, como em tudo que opina, não aprofunda a abordagem, não puxa o debate para desdobramentos que estão embutidos em problemas, à primeira vista, insignificantes. E o fato de um presidente da República ocupar-se de taxas para passeios turísticos mostra que falta a Bolsonaro a dimensão do que lhe cabe na estrutura de poder. Essa discussão específica poderia ser transferida para escalões inferiores do governo federal, mas o presidente dá-lhe uma amplitude proporcionalmente exagerada, investido do papel de bedel que adora desempenhar.
Nenhum assunto que isto fique claro é tabu ou deve escapar ao conhecimento e, se couber, ao comentário de um presidente da República. Muitas vezes, grandes decisões de governantes nascem de pequenos problemas. O que se critica é a repercussão além da conta que Bolsonaro empresta a penduricalhos. Dá a impressão de que deseja, mesmo, copiar o estilo inimitável de Jânio Quadros, o presidente renunciante, que se metia em questões de alta indagação como o uso do biquíni e as rinhas de galo, expostas por ele em bilhetinhos que compuseram a sua caricatura de mandatário. A diferença é que Jânio era histriônico por natureza. Já havia caracterizado esse tipo nos palanques, como candidato, onde aparecia com caspas no cabelo, em trajes desalinhados, uma estratégia calculada para parecer um igual ao cidadão comum. A massa delirava, por óbvio. Mas Bolsonaro não é Jânio.
Em paralelo, tem sido frequente, da parte do presidente da República, o desprezo à liturgia do cargo, que é uma característica sagrada em inúmeros países. Ninguém está a salvo de cometer alguma descompostura governantes, como se sabe, são humanos e, portanto, vulnerabilíssimos. O próprio rei da Espanha, Juán Carlos, entrou no anedotário internacional quando, durante uma Conferência de Cúpula mandou que o Hugo Chávez se calasse, porque supostamente estava a dizer besteiras. O desabafo raivoso do monarca correu o mundo e chamou a atenção pelo tom folclórico que havia na postura. Tirante isso, em regra prevalece a liturgia, que dá ao governante uma aura excepcional. Pode torná-lo um estadista.
Bolsonaro tem se apequenado em inúmeras atitudes o caso mais ilustrativo está sendo, agora, a pressão subliminar junto a congressistas para que aprovem a indicação do seu filho, Eduardo, deputado federal por São Paulo, para embaixador do Brasil nos Estados Unidos? Credenciais do garoto? Duas: sabe fritar hambúrguer, como ele mesmo já espalhou em causa própria; é amigo de filhos do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, com quem Bolsonaro tenta estabelecer relações de compadrio. Por trás da insistência em mostrar prestígio na Casa Branca está uma crise de afirmação pessoal de Bolsonaro. Ele tenta se compensar das suas limitações e quer ter de Trump o afago que Obama fez ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, chamando-o de o cara.
Como se percebe, fogueiras de vaidades e ambições pessoais estão por trás de certas atitudes do presidente da República Federativa do Brasil, ainda por cima obrigado a se testar num universo onde é ostensivo, até mesmo avassalador, o desfile de celebridades nas chamadas redes sociais, o território de ninguém e, ao mesmo tempo, de todo mundo. Não valem nada essas manifestações expansivas do presidente. Tudo bem, ele partiu para coisas sérias ao enviar à Câmara, e aprovar em primeiro turno, o projeto da reforma da Previdência, que ainda tem um árduo caminho a percorrer. Mas, feito isto, Bolsonaro voltou ao normal, ou seja, ocupar-se de ninharias, que como dizia o doutor Ulysses Guimarães, apenas produzem golpes de vento no ar.
Nonato Guedes