É fácil entender porque o presidente Jair Bolsonaro deitou falação contra os paraíbas ou nordestinos (já que ele se valeu dos nativos da nossa terra tabajara para designar os habitantes do Polígono das Secas): ele tem dor-de-cotovelo porque não logrou derrotar, nesta região, o candidato Fernando Haddad Lula da Silva (PT), o alter-ego do ex-presidente Lula que, encarcerado na Polícia Federal em Curitiba, não pôde concorrer em 2018, mais uma vez, ao Palácio do Planalto. Bolsonaro, com sua tirada preconceituosa, colocou em maus lençóis seus próprios aliados do Nordeste, que silenciaram diante da polêmica instaurada na esteira da boutade cometida. Um exemplo de quem ficou atado, em saia justa, com o besteirol presidencial? O prefeito de Campina Grande, Romero Rodrigues (PSD), que tem interlocução direta com o presidente da República e chegou a nutrir a esperança de que Bolsonaro visitasse a cidade que ele dirige para conhecer o recém-encerrado maior São João do Mundo. Que nada! Bolsonaro nem pisou lá.
Ao dirigir imprecações contra governadores nordestinos, chegando a nominar o do Maranhão, Flávio Dino, do PCdoB, como o pior de todos e, de cambulhada, envolvendo o governador da Paraíba, João Azevêdo, do PSB, Bolsonaro, por um lado, demonstrou que é mau político. Ele acabou atingindo os brios do povo nordestino como um todo e do povo paraibano em particular, com sua linguagem de várzea. Se fosse mais inteligente e, logo, um bom político, teria agido diferente: como é candidato à reeleição com apenas seis meses de governo, agiria para ganhar simpatias neste solo e forjar eleitores potenciais numa nova campanha a que pretenda se submeter. Mas Bolsonaro é tão primário politicamente que não enxerga um palmo acima do nariz, de sorte que pudesse extrair ilações desse jaez.
Há algo mais grave do que a adjetivação pejorativa e preconceituosa, que, pela Constituição, pode ser catalogada na categoria do racismo: foi a declaração inequívoca do presidente da República de que ao Estado do Maranhão não deve ser dado nenhum benefício que, porventura, tenha que passar pelas mãos do governador Flávio Dino. Falta ao Sr. Bolsonaro a noção do que é a Federação que ele administra e o conhecimento curial, elementar, do que é a Constituição sob a qual ele atua como mandatário, presidente, chefe de Estado ou seja lá que título venha a empalmar. Não é facultado ao presidente da República discriminar qualquer Estado, naquilo que lhe é de direito, por mera retaliação política. Uma postura discriminatória desse naipe é passível de desencadear processo de impeachment do chefe do Executivo Federal, por constituir descumprimento de norma a que está submetido. Não custa lembrar que ninguém está acima da Lei e a ninguém é dada a prerrogativa de afrontar impunemente a própria Constituição.
O próprio Sr. Jair Bolsonaro sabe perfeitamente, de cor e salteado, o que aconteceu com a ex-presidente Dilma Rousseff, que teve instaurado o processo de impeachment em virtude do cometimento de alegadas pedaladas fiscais, uma infração que é punida nos termos constitucionais em vigor no país. As pedaladas foram detectadas pelo Tribunal de Contas da União mas, na época, Dilma, com a arrogância de que são possuídos os que estão no poder, não se importou, não teve a menor preocupação em evitá-las ou fazer correções necessárias. Foi adiante na afronta, na ilegalidade, até que a Câmara dos Deputados resolveu dar um basta e tudo se consumou no impeachment, ao qual a ex-presidente tentou dar a aparência de golpe, ofendendo a inteligência de segmentos médios da sociedade brasileira.
O presidente Bolsonaro, em menos de uma semana, foi capaz de prodigalizar aberrações inomináveis desde discriminar nordestinos e paraibanos a mentir sobre o histórico de uma jornalista respeitada como Míriam Leitão, da Rede Globo de Televisão. Ao mesmo tempo, abraçou uma heresia: a de que não há gente com fome no Brasil, um dos países que estão mencionados na linha abaixo da pobreza no concerto das Nações da América do Sul e de outros continentes marginalizados economicamente e socialmente. Se couber uma interpretação literal, ou, como se diz comumente, ao pé da letra, o presidente Jair Bolsonaro cometeu o crime de perjúrio. Só para lembrar: perjúrio foi a causa que motivou a instauração do processo de impeachment do presidente dos EUA, Richard Nixon, na década de 70, quando ele foi confrontado sobre o escândalo Watergate. Nixon foi o primeiro a sofrer impeachment. Aqui, tivemos Fernando Collor e Dilma Rousseff. Bolsonaro parece ser candidato a essa discutível honraria…
Nonato Guedes