No livro Dossiê Brasil, Geneton Moraes Neto revela que a ascensão do vice-presidente João Goulart no vácuo aberto pela estabanada renúncia de Jânio Quadros em 1961 inaugurou um período marcado por sucessivas crises políticas e que os militares pavimentavam o caminho para o golpe de março de 1964, que acabou se consumando com a ajuda maciça dos Estados Unidos. O período crítico marcado pelos estertores do governo Goulart, a ascensão dos militares ao poder e a debandada dos perseguidos rumo ao exílio provocou uma frenética troca de informações confidenciais entre as embaixadas estrangeiras, anota Geneton, citando que num despacho de apenas 11 linhas enviado a Londres no dia dois de janeiro de 1963, sob a proteção do selo confidencial, a embaixada britânica em Washington avisa ao Foreign Office que a CIA produzira, no dia 31 de dezembro de 62, um documento que detecta um complô de militares brasileiros para derrubar o regime Goulart.
Na verdade, pelos documentos a que Geneton teve acesso e que forraram seus preciosos livros sobre as histórias por trás da História recente do país, um ano e três meses antes do desembarque dos militares no Palácio do Planalto a sorte de Goulart parecia selada nos informes secretos trocados entre as embaixadas. Um dado curioso é que diplomatas de países diferentes queriam descobrir como é que os soviéticos estavam avaliando a situação brasileira. Um relato da embaixada britânica no Brasil, em 63, discorre sobre o embaixador da URSS, Andrei Fomin: Fomin disse que se sente aliviado por notar que o presidente Goulart, nos últimos estágios de suas negociações interpartidárias, usou os serviços do Sr. Almino Afonso, líder do PTB na Câmara dos Deputados, homem de posições amplas de esquerda e extremamente nacionalista. O fato de o presidente ter-se voltado para ele indica que as circunstâncias da economia podem empurrar o presidente para o centro, mas os verdadeiros interesses dos trabalhadores não foram abandonados. O embaixador Fomin disse que o governador Miguel Arraes (Pernambuco) não é de forma alguma um revolucionário, como se tem dito, mas um homem de esquerda com visão e vigor, cuja administração em PE com certeza será construtiva.
O que se depreende desses documentos é que alguns deles, ou muitos deles, foram baseados em achismos, em interpretações pessoais de diplomatas aqui estabelecidos, ao sabor dos ventos da conjuntura e das impressões dessa turma. Os diplomatas britânicos no Brasil voltariam a abastecer o Foreign Office, em Londres, com informações sobre como os soviéticos viam a situação brasileira, num relatório confidencial escrito no dia 10 de outubro de 1963. Desta vez, o embaixador soviético faz uma curiosa distinção entre quem é e quem não é de extrema-esquerda. Nesta qualificação, ele inclui o nome de Leonel Brizola, mas deixa de fora Luís Carlos Prestes. O Brasil, na aparência, diz o embaixador, pode parecer calmo. Mas além das tensões latentes sobre as quais ele falou, há outras matérias inflamáveis à mão. Por exemplo: cerca de 20 milhões de pessoas vivem em estado quase famélico no Nordeste do Brasil; muitas possuem armas. Por quanto tempo a presente situação pode ser mantida?.
O Brasil, como observou Geneton, tornou-se um país intraduzível para os estrangeiros, devido às suas peculiaridades, incluído o famoso jeitinho com que aqui as coisas são resolvidas. No afã de traduzir o Brasil, os informes das embaixadas estrangeiras construíam raciocínios fantasiosos ou alarmistas. Quatro meses antes do desembarque dos Urutus em Brasília, a embaixada britânica mandou para Londres, em 14 de novembro de 63, um dossiê confidencial que pintava com tintas alarmistas o cenário brasileiro em caso de uma insurreição popular comandada por Leonel Brizola, o cunhado do presidente João Goulart. Em novembro de 63, a CIA registrou em relatório secreto a intenção do presidente João Goulart de dar um golpe para tentar resolver a crise institucional em que o país estava mergulhado. O plano de Goulart, se existiu, não deu certo: os adversários é que deram o golpe no dia 31 de março de 1964.
Em despacho de 10 de setembro de 1962, o embaixador inglês Geoffrey Wallinger aponta perspectivas sombrias para a política brasileira. Se Goulart conseguir se estabelecer com poderes ditatoriais, a possibilidade de um golpe comunista será ainda pequena, mas a cegueira de sua ânsia pelo poder poderá permitir brechas a serem exploradas pelas técnicas comunistas, porque a opinião pública começa a se revoltar contra o paternalismo estreitamente nacionalista e demagógico que seria a sua versão da ditadura sindicalista de Vargas. Tais relatos seriam divertidos se não tivessem influenciado contra o Brasil naqueles idos. Mas, noves fora isso, os dossiês comprovam mesmo é que diplomatas são especialistas em bisbilhotar. Em outras palavras: são fofoqueiros, sim senhor!
Nonato Guedes