A cantora Fafá de Belém volta a ser destaque na mídia com seu mais recente álbum, Humana, que é interpretado como um manifesto político, com letras que tratam de temas como insatisfação social e diversidade. Ex-musa das Diretas Já, a artista foi hostilizada por parte da opinião pública ao aderir à eleição indireta de Tancredo Neves à Presidência em 1984, depois que a emenda Dante de Oliveira foi derrotada pelo Congresso Nacional. Aos 62 anos, Fafá continua chamando a atenção pela beleza exuberante e mantém discrição sobre a vida pessoal (conta apenas que está solteira, no momento). Numa entrevista a Sérgio Martins, publicada na revista Veja, ela soltou o verbo sobre política, Instagram e Lei Rouanet.
Fafá revela que ficou quieta durante o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e o governo de Michel Temer, apesar de ter sido cobrada pela direita e pela esquerda. E vou continuar na minha agora, promete, lamentando que nos tempos atuais as pessoas defendam bandeiras sem saber direito o que significam e patrulham os outros, cobrando posicionamento qualquer. Muita gente acha que votei no Bolsonaro. Esse pecado eu não cometi. Justifiquei meu voto porque estava em Belém e moro em São Paulo. Nunca fui de direita e o PT foi um partido que todos nós um dia abraçamos. Comemoramos no meio da rua a vitória do Lula. Mas essa fase tão complicada…Os governos petistas acabaram com a Petrobras. A esquerda passou por um processo de autofagia. Aí veio uma proposta completamente contrária. Somos hoje um povo separado pela ideologia, afirma Fafá de Belém.
E adiante: A polarização nos separou como se fôssemos dois povos distintos. Canto Toda Forma de Amor, do Lulu Santos, porque a gente deve começar a olhar com mais simpatia um para o outro. Político se troca, religião cada um defende a sua, mas permanecemos um povo colorido e sorridente. Não sou de panelas, não sou de grupos. Eu quero ser livre. Indagada se o movimento Diretas Já transformou sua carreira, respondeu: Foi o grande trabalho que fiz na vida. Mas já tentaram apagar minha importância no movimento. Uma série da Globo, Os Dias Eram Assim, ignorou minha participação. No comício da Candelária, no Rio, cantei Menestrel das Alagoas a mais de 1 milhão de pessoas. Mas, em vez de mim, a série mostrou Milton Nascimento cantando Coração de Estudante. Eu fiquei tão…Olha, foi falta de pesquisa, ignorância ou sacanagem.
Fafá diz que a esquerda e a direita torceram o nariz quando ela apoiou Tancredo para presidente. O colunista Zózimo Barrozo do Amaral (1941-1997) falou tão mal de mim que eu queria pegá-lo de porrada. Fui impedida pelo Armando Nogueira (ex-jornalista da Globo, morto em 2010). Mas quando o (presidente) Fernando Collor sofreu impeachment, em 92, eu e o Armando fomos comemorar na casa do Roberto Irineu Marinho, sócio da Globo. Quando entrei, dei de cara com o Zózimo, que me perguntou se eu estava bem. Disse que sim porque ele não tinha conseguido acabar comigo. Terminou com o Zózimo me chamando de rancorosa e eu dizendo que ia quebrar a cara dele. Se não tivesse a turma do deixa-disso, eu ia mesmo bater no cara.
A cantora discorda dos que atacam a Lei Rouanet, criada para incentivar produções artísticas e culturais. Criou-se uma ideia de que assaltamos o Brasil. Vejo até pessoas de alto nível dizendo isso. É muito difícil para o artista fazer grandes shows sem a Lei Rouanet. Porque aqui funciona da seguinte maneira: a pessoa paga 3 000 reais para ver um artista estrangeiro mas reclama se tem de pagar 300 para ver um brasileiro. Dizem que estamos roubando. Quarenta anos atrás, a verba saía da bilheteria. Hoje, pouca gente aposta num espetáculo novo, acrescentou ela à revista Veja. Fafá concluiu afirmando que tem uma boa vida e que ganha bem, mas sem ostentações. Não tem jatinho, por exemplo. Acho cafona ter jatinho, explicou.
Nonato Guedes