Depois daquele elogio do (Donald) Trump, estou cada vez mais apaixonado por ele. A declaração foi feita pelo presidente Jair Bolsonaro, com a boca adoçada por afagos do presidente dos Estados Unidos ao seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-RJ), na agulha para ser nomeado embaixador do Brasil em Washington, exibindo como principal qualidade a de saber fritar hambúrguer, desenvolvida quando passou temporada na terra do Tio Sam. A subserviência de Bolsonaro aos States encontra paralelo na frase atribuída a Juraci Magalhães, nomeado embaixador brasileiro nos Estados Unidos, após o golpe militar de 1964 que depôs o presidente João Goulart: O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil. O golpe teve o apoio decisivo, do ponto de vista logístico, do governo americano. Bolsonaro, na verdade, conforme versões de bastidores, fará o Brasil pagar um alto preço pela vaidade de ter o filho na carreira diplomática, em posto ambicionado pelos quadros de carreira do Itamaraty. Além de parecer estar permanentemente ajoelhado aos EUA, Bolsonaro pai liberou exploração de minérios em terras indígenas brasileiras, num aceno aos empresários americanos que têm interesse em investir nesse filão.
Jair Messias Bolsonaro é capitão reformado do Exército, que não ascendeu na carreira militar por reconhecidas limitações intelectuais. Foi eleito presidente da República em 2018 fazendo o papel de candidato outsider, aparentemente desvinculado de subordinação a partidos políticos (o seu é o PSL) e fazendo contraponto, com uma linguagem conservadora e de direita, ao candidato lançado pelo PT, o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, ainda assim bafejado com 45 milhões de votos. Fato curioso, a grande trombada diplomática entre Brasil e Estados Unidos deu-se nos idos de 1977, quando Jimmy Carter assumiu a presidência e avisou que não haveria mais apoio a qualquer ditador anticomunista, pois os direitos humanos deixavam de ser tratados como assunto interno de cada país. Diz o historiador Jaime Klintowitz, em livro, que Carter passou a exigir do Brasil mercadoria que o regime militar não queria entregar: respeito aos direitos humanos. Para complicar ainda mais, o governo americano se opunha ao programa nuclear brasileiro. O acordo nuclear Brasil-Alemanha fazia parte do sacrossanto rol de interesses estratégicos estabelecido pelos militares. Foi um péssimo acordo, por sinal, e só duas das oito centrais previstas foram construídas. Mas isso só se tornaria evidente mais tarde, sublinha Klintowitz.
Coube a Ernesto Geisel, o quarto general presidente do Brasil na fase da ditadura, a tarefa de colocar o assunto em pratos limpos: o que era bom para os Estados Unidos, definitivamente, não agradava mais ao Brasil. O Brasil é feito por nós, avisava o slogan ufanista criado pelos marqueteiros a serviço do Palácio do Planalto. Para o caso de o recado não ter sido ainda entendido por Washington, Geisel rompeu um velho acordo militar existente com os Estados Unidos. Em março de 1978, Carter veio ao Brasil numa tentativa de fazer as pazes. Foi recebido com frieza e desaforos miúdos. O chanceler Antônio Azeredo da Silveira chamou os jornalistas para esclarecer que a visita era de iniciativa do americano e que não fossem lá publicar que Carter fora convidado pelo governo brasileiro. Para desgosto do Itamaraty, não houve como evitar a maldita questão dos direitos humanos. Os inimigos da ditadura aproveitaram a oportunidade para se queixar aos americanos. Uns atrevidos até fizeram chegar ás mãos da primeira-dama Rosalynn Carter um documento com denúncias, o que deixou Geisel apoplético. O sucessor de Carter, Ronald Reagan, encaixou o Brasil no time dos países autoritários toleráveis, o que facilitou as relações com o presidente João Batista Figueiredo, o último expoente da safra de generais no poder no Brasil.
Em 2002, na sua primeira visita a Washington como presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), atualmente preso numa cela da Polícia Federal em Curitiba, lembrou de forma marota a frase atribuída a Juraci Magalhães. Perguntado sobre as relações com a China, Lula saiu-se assim: Eu não conhecia a China muito bem, até que o governo americano fez da China seu parceiro comercial preferencial. E eu pensei comigo mesmo: se é bom para os americanos, deve ser bom para o Brasil. Foi muito aplaudido. Quanto à indicação de Eduardo Bolsonaro para embaixador em Washington, é dada como certa tanto nos meios políticos brasileiros como nos círculos diplomáticos. O empenho do pai, Jair, facilita os encaminhamentos. Bolsonaro reuniu-se ultimamente com Wilbur Ross, secretário de Comércio dos EUA e disse ter tido um diálogo excelente. Estamos nos aproximando, afirmou. Muitos viram na frase a senha para confirmar que caminha bem a nomeação do filho de Bolsonaro especializado em fritar hambúrguer para ocupar a embaixada em Washington. Vai ser uma festa, e tanto, para o clã do capitão reformado.
Nonato Guedes