Em texto veiculado na Folha de São Paulo, o articulista Rubens Valente faz uma compilação das palavras do presidente Jair Messias Bolsonaro, desde que foi eleito até à posse, e traça paralelos para mostrar que, diferentemente do que apregoa, ele não governa para todos, e, pior ainda, discrimina abertamente representantes da sociedade, ignorando os conceitos de pluralidade e diversidade que estão enraizados ou se consolidando cada vez mais no país. No dia 10 de dezembro de 2018, ao ser diplomado pelo Tribunal Superior Eleitoral, após ter vencido o candidato Fernando Haddad, do PT, em segundo turno, Bolsonaro, que concorreu pelo PSL, jurou: Governarei para todos. Ao tomar posse na presidência da República, em janeiro, repetiu: Construiremos uma sociedade sem divisão ou discriminação.
– Quem percorrer os 964 compromissos da agenda de Jair Bolsonaro, em audiências, almoços e jantares, da posse na presidência da República até a última sexta-feira, dia 2, embarcará numa viagem lisérgica a centros evangélicos, jogos de futebol, expoentes da bancada da bala, o cantor Amado Batista e o locutor de rodeios Cuiabano Lima, passando por empresários, muitos e ricos, e seus poderosos grupos de pressão. Também perceberá para quem ele governa. Recebeu representantes de multinacionais mas negou-se a despachar com representantes dos petroleiros contrários à venda dos ativos da Petrobras. Esteve com ruralistas mas não com representantes dos trabalhadores, nem com quilombolas ou indígenas. Da mesma forma, omitiu da sua agenda representantes dos movimentos LGBTQ e, no contraponto, tem tido encontros periódicos com pastores evangélicos, além de participar de sessões de orações e de cultos promovidos por igrejas evangélicas compara Rubens Valente.
Rubens Valente pontua, ainda, que o presidente da República prioriza eventos com paraquedistas do Exército, cumpre agenda regular de visitas a corporações militares, confraterniza-se periodicamente com ex-companheiros de farda, mas não demonstra o menor interesse em conversar com ambientalistas, cientistas, antropólogos, escritores, artistas, cineastas todos de renome e com valiosa contribuição prestada à emancipação do Brasil. A preferência do presidente é para os chamados youtubers de direita, acrescenta o articulista, ironizando que Bolsonaro desmente Jair nas promessas e nas palavras proferidas.
Para inúmeros analistas políticos, o presidente da República é prisioneiro de uma mentalidade conservadora e de concepções ideológicas de extrema direita, tanto assim que de forma recorrente alardeia ter como guru o escritor e astrólogo Olavo de Carvalho, radicado na Virgínia, Estados Unidos, que influencia, também, filhos de Bolsonaro e teve ingerência nefasta no ministério da Educação, a pretexto de fomentar o debate sobre ideologia de gênero, que considera fundamental, relegando desafios mais urgentes enfrentados pela população brasileira. Autor de livros com títulos pomposos como O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota, Olavo de Carvalho é considerado um oportunista por expoentes da chamada intelligentsia brasileira.
Entre os conceitos emitidos pelo guru dos Bolsonaro está a seguinte pérola: O declínio abissal da moralidade pública no Brasil não é causa sui: foi antecedido e preparado nas escolas, nos jornais, nas editoras de livros. A atividade intelectual no Brasil se deteriorou a tal ponto que mesmo o discurso formal do jornalismo e da comunicação acadêmica, para não falar daquilo que um dia foi a literatura, já não serve de instrumento para a auto consciência. A linguagem dos publicitários e dos cabos eleitorais tomou tudo. O alvoroço de simular bons sentimentos e demonstrar o inimigo pela via mais fácil bloqueia toda possibilidade de reflexão séria sobre as próprias palavras. Uma característica da personalidade de Olavo de Carvalho é não aprofundar discussões públicas, em auditórios, com figuras que lhe são hostis ou divergem frontalmente das suas concepções e lhe fazem restrições até de conduta. No geral, constata-se que ele faz escola no culto aos disparates que é típico da gestão do capitão reformado.
Ainda recentemente, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, ao ser abordado por grupo indígena quando passava férias com a família no Pará, saiu-se com essa: Não é porque está com um cocar que você pensa que é mais brasileiro do que eu, seu safado. Depois, em uma rede social, disse que ele e familiares haviam sido cercados em uma praça. As crianças ainda estão chorando, dramatizou Weintraub. Ministros e demais auxiliares costumam fazer coro a Bolsonaro na disseminação de sandices afinal, o presidente já afirmou que é uma grande mentira falar que se passa fome no Brasil. Da mesma forma, ao propor filtro nos financiamentos da Ancine, Bolsonaro mandou ver: Não pode dinheiro público ser usado para fins pornográficos. A ministra da Família, Damares Alves, é quem mais contribui para aberrações. E é por coisas assim que artistas como Caetano Veloso, Chico Buarque e Bruna Lombardi não poupam o governo de críticas, assumindo causas de segmentos da sociedade civil impiedosamente hostilizados ou perseguidos. Defendem a democracia, tema que não é dogma para Bolsonaro e sua trupe amestrada.
Nonato Guedes