Depois do espetáculo de antropofagia registrado nas areias da Baía da Traição, quando três grumetes portugueses foram literalmente comidos pelos índios, em 1501, narrado por Américo Vespúcio na Lettera; depois da má sorte de Pero Lopes de Sousa, contemplado com as terras da Capitania de Itamaracá que daria lugar à Paraíba, morto a caminho de Madagascar em 1535 antes mesmo de tomar posse, a tragédia vem acompanhando a vida paraibana. A chacina dos 600 habitantes de Tracunhaém, mortos pelos índios potiguaras num episódio envolvendo a filha do cacique Iniguaçu, que justificaria a criação da Paraíba para dizimar os índios. A iniciativa foi do rei português D. Sebastião, ao criar a capitania-mor da Paraíba por decreto em 1574, a terceira cidade brasileira, morrendo logo em seguida numa guerra inexpressiva no Marrocos, com apenas 26 anos de idade, frustrando os portugueses que nele haviam depositado grande esperança para tirar o país da crise em que se encontrava.
Nas investidas para a fundação da cidade, quando o capitão-mor Frutuoso Barbosa, que nem ainda havia tomado posse, perdeu a mulher, o filho e toda a fortuna na luta contra os índios, durante as batalhas pela ocupação das terras que lhe foram entregues por El-Rei para governar. Do ouvidor Martim Leitão, que usou do prestígio e da coragem para instalar a cidade e caiu em desgraça na Corte, quando foi demitido, preso e enviado sob ferros a Lisboa por querelas políticas em Pernambuco. O capitão João Tavares, que veio assentar a paz com o chefe Braço de Peixe, dos tabajaras, nomeado capitão-mor, foi morto em confronto com os potiguaras, o mesmo destino que teria seu filho um ano após. Os índios da tribo Tabajara, que para aqui vieram procedentes das margens do rio São Francisco, logo após a chegada começaram a enfrentar problemas com seus vizinhos, Potiguaras, e se submeteram à escravidão dos portugueses instalados na Paraíba para continuarem sobrevivendo.
Noventa e cinco por cento dos potiguaras que habitavam o litoral, assim como os janduís, cariris e tantas outras tribos que habitavam o interior, foram dizimados pelos novos ocupantes das terras, num verdadeiro genocídio contra uma raça. Duarte Gomes da Silveira, o homem mais rico da região, que ajudou a construir a cidade na época de sua implantação, mecenas, benfeitor, possuidor de ouro, prata, engenhos de açúcar, imóveis diversos e recursos superiores a cem mil cruzados, foi injustamente considerado traidor e condenado após a invasão dos holandeses, ao tentar negociar com os invasores a volta à terra dos paraibanos que haviam fugido após a chegada dos batavos. Os jesuítas que vieram nos primeiros anos da implantação da cidade, iniciando uma obra gigantesca de pedra e cal, foram banidos pelo capitão-mor Feliciano Coelho em 1593 porque demonstravam simpatia pelos índios.
Dos cinco holandeses que governaram a Paraíba durante a conquista, três morreram no Brasil e um deles violentamente (IppoEyssen), assassinado numa emboscada no engenho Espírito Santo pelos guerrilheiros do capitão Rabelinho. Mais adiante a Paraíba perdeu o status de capitania e foi anexada a Pernambuco durante 44 anos. Durante toda a sua existência a população foi assolada por terríveis secas, enchentes, que devastaram plantações e mataram de sede centenas de milhares de animais e pessoas; foi atingida por pestes da febre amarela, cólera, bubônica, gripe espanhola e outras doenças infecciosas e contagiosas em forma epidêmica que sacrificariam mais de cem mil habitantes entre brancos, negros e índios. O governador em exercício Antenor Navarro caiu com um avião no litoral baiano; João Pessoa foi morto por um desafeto em Recife e mais recentemente Antônio Mariz deixou o Senado para se tornar governador mas morreu quatro meses após tomar posse. Ainda o episódio do governador Ronaldo Cunha Lima, que em pleno exercício do cargo, atirou no ex-governador Tarcísio Burity num restaurante da Capital.
Uma extensa lista de acontecimentos fatais veem marcando a Paraíba em todos os tempos e como a tragédia e a farsa andam sempre juntas, invertendo episódios grotescos, muitos se deram mal em favor das boas causas enquanto outros, aventureiros, malandros, espertalhões e oportunistas daqui saíram cobertos de glória, fama e riqueza. Foi o caso do conde Maurício de Nassau, que de regresso à Holanda parou no porto do Capim e pilhou todas as riquezas que pôde reunir, abarrotando vários navios de produtos de exportação (açúcar, pau-brasil e algodão) e objetos de valor (canhões do forte de Santa Catarina, armas, prataria e louçaria dos quartéis) e o caso do ex-governador paraibano, o capitão-mor João Fernandes Vieira, agente duplo que apoiou a invasão dos holandeses e, depois de conseguir dinheiro dos batavos para a compra de engenhos, ajudou a expulsá-los na Batalha dos Guararapes, em Recife, ao lado de Vidal de Negreiros, outro que contribuiu para o atraso quando em 1639 mandou queimar todos os engenhos à margem do rio Paraíba e devastar a economia paraibana imaginando erroneamente que isso afastaria os conquistadores holandeses. Não afastou, mas ele se deu bem como vassalo dos reis portugueses. E não ficou só nisso. Os exemplos se seguiram ao longo do tempo, numa rotina que vai se prolongando por 436 anos. Nesse contexto destacamos a tragédia da Lagoa do Parque Solon de Lucena, em João Pessoa, onde morreram 35 pessoas, dentre elas 29 crianças, num barco do Exército, do qual fui testemunha ocular do evento e seus desdobramentos, narrados neste livro. Histórias não faltam e um dia alguém vai contá-las sobre aqueles que se deram bem à custa dos outros, como os inábeis governantes que passaram pelo poder e nada ou pouco fizeram pelo seu povo. A Paraíba aos poucos vai se constituindo numa metrópole, mas isso se deve à grandeza dos seus habitantes, mesmo lutando contra as adversidades e os desgovernos que se instalaram nesse tempo. Aos poucos vai vencendo a prelazia do opus diaboli.
*Prefácio do livro Opus Diaboli A Lagoa e Outras Tragédias, de Gilvan de Brito