A briga ideológica do presidente Jair Bolsonaro com governadores desta região não interessa ao povo nordestino. O que interessa ao povo é o benefício das obras e dos serviços públicos de alcance social para que o Nordeste, já penalizado pelo fenômeno cíclico da estiagem, tenha acesso, pelo menos, a uma parcela das bondades que o governo federal reparte, na condição de suserano das verbas num País onde a Federação é mera obra de ficção há bastante tempo. A delonga entre Bolsonaro e a maioria dos gestores vai continuar porque há intransigências de parte à parte e porque há um componente bastante nítido no quiproquó: o abismo ideológico. Bolsonaro é assumidamente um político de direita e enfrenta no Nordeste nichos de governadores rotulados como de esquerda, a exemplo do paraibano João Azevêdo, do PSB, do maranhense Flávio Dino, do PCdoB, e do baiano Rui Costa, do PT.
Essa guerra de agora, travada a céu aberto, faz lembrar situação análoga ocorrida em janeiro de 1983, quando o general João Batista Figueiredo, último presidente do ciclo militar instaurado em 1964, reunido em João Pessoa com um grupo de deputados paraibanos se disse disposto até a suspender as últimas obras de sua gestão, executadas em outras regiões, para aplicar recursos no Nordeste. Numa reunião informal, no hotel Tambaú, com deputados como Ernani Sátyro, Eilzo Matos e Soares Madruga, Figueiredo falou das dificuldades causadas pela crise econômica mas assegurou que o Nordeste teria prioridade e que qualquer recurso existente em sua administração seria canalizado para a região, mesmo com o sacrifício de programas em andamento em outras áreas do território nacional.
Em curta saudação feita ao presidente Figueiredo, os deputados Ernani Sátyro (presidente estadual do PDS) e Soares Madruga, ambos falecidos, referiram-se à conjuntura que a Paraíba atravessava, extremamente dramática, com insuficiência de recursos para colocar em dia a folha de pagamentos do funcionalismo público. O governador em exercício era Clóvis Bezerra, que assumiu a titularidade como vice em meio à renúncia de Tarcísio Burity para concorrer a um mandato de deputado federal pelo PDS, tendo sido eleito na disputa de 1982, quando o PDS também elegeu Wilson Braga a governador. Clóvis, no relato feito ao presidente Figueiredo, aferiu como gravíssima a situação financeira do Estado e entregou a Figueiredo um documento pleiteando a liberação de recursos a fundo perdido ou a título de empréstimo para que fosse mantida em dia a folha de pagamento de pessoal. Em resposta, Figueiredo sugeriu que o problema fosse encaminhado aos órgãos da área econômica federal, mas reiterou sua preocupação com o Nordeste e lembrou que idênticos problemas eram enfrentados pelos demais Estados da região.
O governador Clóvis Bezerra, em conversa com jornalistas, considerou proveitoso o contato das lideranças políticas com o presidente da República e manifestou a sua confiança de conseguir ajuda oficial para a Paraíba, tendo agendado uma viagem a Brasília para reunir-se com o ministro do Planejamento, Delfim Neto, e outras autoridades. Já o governador eleito Wilson Braga reivindicou medidas concretas para a solução do problema da estiagem, lembrando que 67 dos 171 municípios paraibanos estavam novamente em estado de emergência. Ele pediu, também, ao presidente, atenção especial para um projeto de construção de barragens para a irrigação de cem mil hectares de terras durante o seu mandato.
A visita de Figueiredo, na verdade, foi mais de cortesia, como definiu o general da reserva Djenal Tavares Queiroz, que estava à frente do governo de Sergipe e antecipara que nenhuma reivindicação seria formulada. Contemporâneo de Figueiredo na Escola Militar, Djenal Queiroz ressaltou que a visita do presidente serviria de estímulo e de incentivo para os governantes do Estado, mas não comportava reivindicações. Antes de vir a João Pessoa, Figueiredo estivera em São Luís, no Maranhão, explicando que fora cumprir a promessa feita durante a campanha eleitoral de visitar o Estado onde o PDS obtivesse a maior vitória em termos percentuais. No Maranhão, hoje governado pelo comunista Dino, o PDS obteve 79% dos votos válidos. O governador eleito fora Luís Rocha e a figura mais proeminente na política local era o senador José Sarney. Não deu tempo, óbvio, para Figueiredo cumprir promessas em favor do Nordeste. Ficou valendo, porém, a intenção. De Bolsonaro, que está começando o governo e que já começa brigado com governadores do Nordeste, espera-se que não prejudique a região por causa do arranca-rabo com gestores igualmente eleitos pelo povo.
Nonato Guedes