O Nordeste voltou a ser manchete na mídia nacional devido aos desentendimentos entre o presidente Jair Bolsonaro e governadores de Estados, acusados pelo mandatário de querer transformar a região numa nova Cuba e não dividir com o seu governo eventuais benefícios obras e serviços que têm sido colocados em execução, principalmente na área de infraestrutura. Uma consulta aos arquivos mostra que em décadas distintas o Nordeste tem inquietado até autoridades mundiais, pelo receio ou preocupação com os graves problemas sociais que se acumulam em paralelo com as desigualdades perante outras regiões do país. Na década de 60, o presidente americano John Kennedy preocupou-se com o avanço de Ligas Camponesas, inclusive, na Paraíba. Na década de 80, o arcebispo metropolitano da Paraíba, dom José Maria Pires, já falecido, expôs ao papa João Paulo Segundo, durante visita ad limina que lhe fez em Roma, a radiografia da problemática regional. Dom José contou ao Pontífice que os maiores problemas do Nordeste não eram causados pelas secas, mas pelos grandes projetos econômicos que ao invés de melhorar tornam cada vez mais difícil a vida do povo.
Dom José, que esteve à frente da Arquidiocese da Paraíba por cerca de três décadas e era natural de Minas Gerais, tendo formado ao lado do chamado clero progressista em oposição aos bispos católicos tidos como conservadores, adotou a filosofia de que a Igreja tinha o dever de se colocar ao lado dos interesses dos oprimidos contra a exploração praticada por proprietários rurais e por empresários das metrópoles urbanas. Alinhava-se, nessa postura, com o polêmico arcebispo de Olinda e Recife, dom Hélder Câmara, também já falecido, que era chamado de bispo vermelho pelos setores de direita e até por influentes chefes militares. A visita ad limina de dom José ao papa João Paulo Segundo ocorreu na segunda quinzena de setembro de 1980, e o prelado, através de circular, deu ciência aos paraibanos dos assuntos tratados na audiência em Roma.
Ao se referir a projetos econômicos que pioravam a situação dos pobres, dom José mencionou como exemplos os projetos de cana-de-açúcar para a produção de álcool e a criação de gado. O papa, de acordo com ele, comentou: É muito importante a ação da Igreja em favor do povo, no que foi respondido: Esta ação se desenvolve sobretudo através do esforço para que o povo se organize e defenda seus direitos, bem como estavam sendo as comunidades de base a forma prática dessa organização. Ainda na circular que distribuiu, o arcebispo da Paraíba revelou ter oferecido ao Pontífice o último livro do frei Leonardo Boff O caminhar da Igreja com os oprimidos e entregue a ele cartas de várias pessoas do Estado, pedindo, ao final do encontro, uma bênção para toda a Arquidiocese, o povo e as instituições, principalmente o seminário que ele pretendia ativar, estendendo-a, ainda, aos movimentos de não-violência. Sobre esse último pedido, explicou que o papa fez uma ressalva que seja a não-violência verdadeira, ao que ele próprio explicou: A não-violência evangélica.
Na Congregação para a Doutrina da Fé, em Roma, o arcebispo da Paraíba e outros bispos nordestinos foram informados pelo cardeal Seper que João Paulo Segundo nunca deixou de conceder dispensas a padres, mas limitando-as aos casos de sacerdotes velhos, dolentes ou já afastados há mais tempo, adiantando que os novos critérios adotados eram rígidos e estabeleciam a recusa a pedidos de dispensa feitos por padres jovens com pouco tempo de ordenação. Por ocasião dessa visita à Congregação para a Doutrina da Fé, dom Avelar Brandão, bispo de Salvador, perguntou se havia algo contra o teólogo Boff, no que o cardeal Seper respondeu: Há. Enviamos nossas questões e esperamos as respostas dele.
Nonato Guedes