Já que continua em pauta a nomeação de Eduardo Bolsonaro, filho do presidente Bolsonaro, para embaixador do Brasil em Washington, convém repisar episódio envolvendo tentativa de incursão de personagem de expressão do nosso Estado pela seara da diplomacia. Em janeiro de 1990, prestes a deixar o governo da Paraíba que empalmava pela segunda vez, só que colecionando desgaste profundo gerado por fatores políticos e administrativos, o professor Tarcísio de Miranda Burity deixou escapar em conversas íntimas uma espécie de sonho dourado que gostaria de ver concretizado quando fosse instalado o governo do presidente Fernando Collor de Mello, a quem apoiara de maneira enfática: o de vir a ser nomeado para o cargo de embaixador do Brasil em Viena, na Áustria, país europeu conhecido pelo clima aprazível, pela cordialidade do seu povo mas, sobretudo, pelas suas históricas raízes culturais, como berço de gênios da música e das artes. Um apaixonado por livros e por música clássica, Burity encontraria nos bosques de Viena, como registrei em matéria na extinta revista A Carta, a sensação de paz de espírito, indispensável em face de embates exaustivos que travou na sua segunda passagem pelo Palácio da Redenção. A embaixada não deu pé como não havia dado certo a expectativa de vir a ser ministro do Supremo Tribunal Federal.
A diferença entre a embaixada em Viena e a vaga na Corte Suprema de Brasília é que, para esta, Burity chegou a ser cogitado, conforme inconfidência feita por Bernardo Cabral, já tido como futuro ministro da Justiça de Collor (saiu do posto em meio a um prosaico romance com a ministra Zélia Cardoso de Mello, czarina da Economia, embora fosse casado. Collor, ao ser comunicado pelos dois ministros que estavam apaixonados, detectou o episódio como nitroglicerina pura para seu governo, diante da repercussão que inevitavelmente teria, como teve). A embaixada em Viena equivaleria, conforme o jargão diplomático, a uma promoção para Burity, diante da constatação de que há embaixadas que constituem exílios forçados, pela desimportância no mapa-múndi, o que teria se dado com outro paraibano, Milton Cabral, que também foi governador e que ocupou a embaixada do Brasil na Romênia, onde a vida era insuportável e a ditadura comunista de Ceaucescu caiu fuzilada por insatisfações de rua. A Áustria sempre foi atraente, também, pela lembrança do fausto remanescente dos Impérios ali erigidos.
Burity estava ostensivamente desencantado com a política, na qual entrara como neófito e se destacara, no dizer do ex-ministro Ibrahim Abu-Ackel a jornalistas paraibanos, como um ator não convencional. No círculo que ainda lhe pajeava em fim de governo, reinava uma crença generosa segundo a qual Burity poderia vir a ser até o que quiser no governo Collor, pela circunstância de ter sido o único governador de Estado a se filiar ao PRN pelo qual Collor concorreu e a manifestar apoio indiscutível por essa candidatura, antes mesmo de se ferir o primeiro turno das eleições que consagraram o ex-caçador de marajás das Alagoas como um fenômeno. As coisas não eram bem assim de resto, Collor era imprevisível. Mas Burity aparentava que iria ter uma quota qualquer de prestígio no governo Collor. No segundo turno, em plena festa da comemoração da vitória em Brasília, Burity foi presença notada e ali estava a convite do próprio Collor, que não dispensou a mesma deferência a outros políticos.
O presidente nacional do PRN, Daniel Tourinho, chegou a dizer que o então governador paraibano estava credenciado a voos mais altos na esfera federal, dentro da perspectiva de vitória de Collor. Interlocutores ligados a Burity na Paraíba reforçariam essa impressão por meio de contatos mantidos em Brasília, onde o prestígio do governador parecia dotado de cacife, havendo dúvidas apenas sobre qual o metro de valorização Collor recortaria para Burity. Em relação ao ex-senador Milton Cabral, ele precisou quando ficou sem futuro político na Paraíba socorrer-se do senador Marcondes Gadelha para incursões junto ao presidente Sarney. A princípio encaradas com frieza, essas incursões prosperaram e Milton foi apaniguado até em virtude da sua insistência. Com relação a Burity, tudo parecia conspirar para um final feliz. O resumo da ópera? Nem vaga no Supremo Tribunal Federal nem embaixada. Collor acabou dando a Burity um presente de grego a liquidação extrajudicial do Paraiban, o banco de fomento estatal. Foi amaldiçoado por Burity, em face da punhalada, até sua morte. Nada a ver, claro, com Eduardo Bolsonaro, o especialista em fritar hambúrguer. Nem de longe!!!