O presidente Jair Bolsonaro e seus interlocutores mais próximos passaram a anunciar nas últimas horas uma blitzzkrieg para fortalecer de maneira estupenda o PSL, Partido Social Liberal, que deu guarida ao aparente candidato outsider para pavimentar sua postulação ao Palácio do Planalto em 2018, quando derrotou o candidato Fernando Haddad, do PT, em segundo turno, após tratorar outros pretendentes no primeiro turno, como o inefável Ciro Gomes. Por trás da estratégia concebida no núcleo bolsonarista de fortalecimento da legenda a que ele é filiado, está em curso, na verdade, uma operação manu militari para dizimar os agrupamentos de esquerda no país, tendo como pano de fundo a pauta conservadora que o governo do capitão tenta empurrar goela abaixo da sociedade brasileira, englobando questões variadas da temática ambiental à questão da segurança pública.
Quem se aventurou a subestimar o atabalhoado figurino ideológico que Bolsonaro e seus adeptos tentam desesperadamente impingir à sociedade, ainda que à custa de discussões estéreis e de falta de embasamento intelectual para forrar propostas capazes de sensibilizar segmentos refratários ao chamado viés de esquerda, até mesmo de centro-esquerda, começa a refazer cálculos e a reparar com interesse na dimensão que o movimento deflagrado aparentemente por combustão espontânea começa a alcançar, influenciando corações e mentes e recrutando, até mesmo, esquerdistas arrependidos, estes ainda em menor escala. A ofensiva colocada em marcha pelos soldados do presidente coincide com a desorganização no campo das esquerdas e das oposições em geral, cujo ponto de inflexão foi a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, combinada com o impeachment da presidente Dilma Rousseff, que os petistas, em orquestração ainda não interrompida, teimam em qualificar como golpe patrocinado no âmbito do Congresso Nacional, numa interpretação simplista, pouquíssima profunda, do conjunto real de fatores fincados na origem do reordenamento político-institucional brasileiro.
Não custa lembrar que o processo de despetização ou de tentativa de desesquerdização no Brasil medrou, em certa medida, graças à decisão de parcelas expressivas do eleitorado dos grandes centros urbanos, de quebrar a espinha dorsal da polarização que vinha sendo sustentada por gravidade entre o Partido dos Trabalhadores e o Partido da Social Democracia Brasileira, o PSDB. Com exceção do confronto com Fernando Collor de Melo em 1989, o qual concorreu por uma legenda improvisada, o PRN, que não se vitalizou no cenário, até por causa do impeachment do ex-caçador de marajás das Alagoas, as eleições presidenciais seguintes acentuaram a criação do antagonismo PT-PSDB, o primeiro fixando-se preferencialmente na figura personalista do líder maior, Luiz Inácio Lula da Silva, e recorrendo, em caráter emergencial, à imagem da Mãe do PAC, Dilma Rousseff, numa tentativa cabocla de transplante do peronismo que na vizinha Argentina respaldou a hegemonia do coronel Juán Domingo e do incenso da mística Evita Perón, a mãe dos descamisados, que teve até o cadáver disputado à tapa por órfãos do talvez. Já o PSDB, cevado na elite acadêmica, testou-se através do sociólogo Fernando Henrique Cardoso (duas vezes presidente) e de nomes que não emplacaram no gosto popular, como José Serra, Geraldo Alckmin e Aécio Neves.
Serra sempre foi tido como expoente do paulistério, que olha por cima para outras regiões do país, principalmente as subdesenvolvidas como o Nordeste; Alckmin ficou estigmatizado por um apelido, o de picolé de chuchu, como a simbolizar que era insípido e inodoro, logo, sem carisma para empolgar massas pelo verbo ou pela caricatura; Aécio foi a ovelha desgarrada do rebanho de Tancredo Neves, às voltas com um pé na corrupção, contrariando o mandamento máximo que o avô recitou ao esculpir a Nova República: é proibido gastar, o que subentendia a proibição de roubar. Aécio não arriscou, sequer, uma recondução ao Senado, de tão desgastado que estava, preferindo garantir-se a duras penas como deputado federal, onde não é mais referência na cena nacional.
Bolsonaro tem obsessão doentia contra a esquerda e julga-se, no íntimo, escolhido pelos deuses como cruzado incumbido de destruir uma ideologia que considera incompatível com a índole do povo brasileiro, banhando-se nas águas já turvas de um suposto nacionalismo que, na verdade, é subproduto escancarado do imperialismo norte-americano, a quem o atual presidente presta continência, por honra, inclusive, da ambição de ver o filho, especialista em fritar hambúrguer, alçado à embaixada do Brasil em Washington, deslustrando o panteão dos diplomatas que por lá passaram, a partir de Joaquim Nabuco, hors concours. Com a esquerda baqueada e desunida, não é improvável que esse tal PSL cresça como pão de ló, ainda que dure por uma ou outra estação nada mais que isso. A conferir!
Nonato Guedes