Sem a caneta do poder e sem mandato, já que optou por não disputar o Senado, o ex-governador Ricardo Coutinho está a braços com uma batalha para investir-se na presidência do PSB na Paraíba, que ele já comandou e que atualmente está sob o controle de Edvaldo Rosas, que acumula as broncas partidárias com uma secretaria estratégica no governo João Azevêdo. O enredo vivenciado por Ricardo lembra a via crúcis experimentada pela advogada criminalista, jornalista e ex-deputada Nadja Palitot, que nos anos 2000 foi abruptamente defenestrada da presidência do mesmo PSB graças a maquinações urdidas por Ricardo junto à cúpula nacional socialista, onde já emergia a figura de Eduardo Campos, governador de Pernambuco. Ricardo havia deixado o PT em meio a um rumoroso processo de divergência, que motivou instauração de sindicância para decidir a sua expulsão. Deputado estadual, pretendia ser candidato a prefeito de João Pessoa, mas os petistas negaram-lhe o agrément e ainda o acusaram de infidelidade.
Restou a Ricardo, então promissora liderança política no cenário pessoense, já extrapolando sua imagem por outras regiões do Estado, a ponto de ser notado, positivamente, pelo poeta e ex-governador Ronaldo Cunha Lima, que vaticinou sua ascensão à prefeitura de João Pessoa, a saída de emergência mediante desligamento das hostes petistas, não sem acusações de denso quilate de parte à parte. Foi quando encontrou aberta a porta do PSB, onde Nadja Palitot, que há doze anos laborava na sigla e tinha a admiração e o reconhecimento de Miguel Arraes, o mito regional, o acolheu de braços abertos. Não demorou muito para Ricardo dar o pulo do gato e assenhorear-se de espaços na nova casa, minando a influência que Nadja conquistara com muita luta e coerência política-ideológica. Não faltaram advertências a Nadja sobre o risco de estar criando cobra para mordê-la. Fui avisada de que seria traída e destratada mas ainda assim dei guarida a ele. Infelizmente, os avisos se confirmaram, lembrou Nadja, pesarosa, numa entrevista em pleno fragor das reviravoltas operadas.
Ainda atracado nos estertores de sua permanência no Partido dos Trabalhadores, onde lutou sofregamente para escafeder-se de punições disciplinares que lhe custassem a suspensão temporária de direitos políticos e, por via de consequência, uma indesejável inelegibilidade, Ricardo Coutinho encomendou uma pesquisa de opinião pública sobre intenções de voto para as eleições a prefeito da Capital que seriam travadas em 2004. Acionou-me, como colunista político do extinto jornal O Norte, para divulgar os números do levantamento, alegando a credibilidade do colunista como pretexto para me dar a preferência. Debulhei a exegese dos números em três ou quatro comentários, expendendo minhas próprias aferições acerca do que traduzia a pesquisa. Os índices eram, de fato, acachapantes, impressionantes. Ricardo batia toda uma constelação de prováveis concorrentes em todos os cenários possíveis e imagináveis. Tal como se deu no balanço das urnas, quando a vítima maior foi o hoje deputado federal Ruy Carneiro, que concorreu pelo PSDB com o slogan apelativo Se eu Fosse Prefeito, dando margem a dupla interpretação inclusive a de que havia mais uma pretensão do que propriamente uma candidatura, da sua parte.
Quanto a Nadja Palitot, talvez tenha prevalecido, da parte de Ricardo, a leitura de que constituía a grande adversária a ser guilhotinada com antecedência e os fatos demonstram à saciedade que, uma vez respaldada no projeto de candidatura a prefeita, ela daria um trabalho enorme, pelo seu carisma e pelo talento que lhe eram inatos. Nadja acusou o golpe, como não poderia ser diferente. Era movida a fortes paixões vocacionais, o que tornava tênue a fronteira entre a emoção e o passionalismo. Mas fez-se racional na emoção: exerceu com dignidade o jus esperneandi, conteve-se para não imitar Leonel Brizola, que chorou numa coletiva de imprensa quando perdeu o PTB para Ivete Vargas, numa manobra que tinha as digitais do general Golbery do Couto (do Colt?) e Silva, eminência parda da ditadura militar, sinônimo da longa noite das trevas que se abateu sobre brasileiros e brasileiras. Nadja mourejou por outros partidos, na azáfama pela sobrevivência política. Foi alçada à deputação estadual, por vias oblíquas, na condição de suplente, e personificou uma resistência poucas vezes reavivada naqueles anos na conjuntura paraibana. Travou o bom combate o quanto pôde fora daí, precisava manter-se, num universo aparentemente hostil povoado, como ela mesma lembrava, por pavões misteriosos, soturnos, que tomavam para si os cordéis que haviam recebido afetuosamente. A história só não se repete na íntegra, porque o imbróglio de hoje envolvendo Ricardo tem como suporte instrumentos de poder que Nadja não tinha. Vai ver, Ricardo nem tem apego ao comando do PSB nesta quadra se, afinal, desapegou-se do Senado, que lhe parecia guardado como prebenda. Mas fatos são implacáveis, sobretudo quando reproduzem, ainda que em outras circunstâncias, enredos mais ou menos conhecidos. Sim, é vida que segue…
Nonato Guedes