Não há como negar que o ex-governador Ricardo Coutinho, que não desencarnou da cadeira de mandatário, foi rápido no gatilho e juntou assinaturas necessárias para dissolver o atual diretório regional do PSB na Paraíba, atingindo de chofre o então presidente Edvaldo Rosas e, por tabela, o governador João Azevêdo. A crise está instalada nas hostes socialistas. Mais do que isso, escancarada, já que expoentes da legenda buscam os holofotes para anunciar se estão com João ou com Ricardo os dois artífices da vitória ao governo em primeiro turno no ano passado. Alega-se que é o confronto da caneta contra os votos ou seja, Azevêdo simbolizaria o poder efêmero, que nomeia e demite, dentro do governo, não no partido, enquanto Ricardo acumularia as honras devidas à sua condição de líder maior, de estrategista que nocauteou Cássio Cunha Lima, José Maranhão e Luciano Cartaxo. É pouco, ou querem mais?, indagam os ricardistas ortodoxos, sem disfarçar o tom desafiador, beligerante até.
Aliás, se há algo indisfarçável é o clima de animosidade que em pouco tempo passou a reinar entre Ricardo e João, aparentemente estimulado por pescadores de águas turvas, por socialistas de carteirinha (ou seriam ricardistas?), que se julgam desprestigiados e sem espaço no governo de Azevêdo. Não sejamos ingênuos a ponto de achar que não há interesses pessoais em jogo. Há, e muitos, a começar da ambição do próprio Ricardo Coutinho não de voltar a ser prefeito de João Pessoa mas de retomar o governo do Estado lá na frente, confinando João a um mandato só, que pareceria emprestado, já que RC é imantado como o grande comandante da vitória no primeiro turno, em outubro de 2018. No reverso da medalha, Azevêdo quer as alvíssaras por ter disputado uma eleição renhida e ter saído vitorioso. Ou será que seu perfil não contribuiu em nada para a própria eleição? São insondáveis os terrenos e os humores da política, hein?
O que surpreende os meios políticos em geral, e desnorteia os adversários dos socialistas, em particular, é a forma fulminante com que tudo está acontecendo. Tudo bem que já no começo do governo Azevêdo houve ruídos e olhares enviesados de ricardistas por causa de medidas profiláticas tomadas como desdobramento da Operação Calvário. A debandada teria começado aí, com exonerações de secretários remanescentes da Era Ricardo, a pedido ou sem pedido dos ditos cujos. Para os aliados de Azevêdo ficou claro que ele preocupou-se em preservar a governabilidade e, ao mesmo tempo, em poupar até certo limite a gestão do antecessor e suposto guru político Ricardo Coutinho. Mas, dizem, a fogueira de vaidades é maior do que se imagina. Combinada com interesses pessoais que urgem solução, a fogueira só faz se alastrar. Não é á toa que se indaga, em tom pérfido, se o teatro Pedra do Reino seria o Campestre de Azevêdo. Para quem não manja arqueologia, é uma comparação com o desaguisado entre Ronaldo Cunha Lima e José Maranhão em 98 no Clube Campestre em Campina Grande, quando o poeta, dedo em riste e microfone a pleno vapor, duvidou da capacidade de Maranhão governar e insinuou que a cadeira do Palácio lhe fosse devolvida.
Naquela crise que acometeu e rachou o então PMDB inexoravelmente, Ronaldo e agregados políticos ficaram encurralados, de tal sorte que perderam o controle do partido em convenções que ungiram o engenheiro Haroldo Lucena presidente do diretório regional, batendo o próprio Ronaldo Cunha Lima. Não acredito que derrotei Ronaldo, chegou a dizer Haroldo, na época, talvez lembrando que no seu currículo havia derrota até em eleição para síndico de prédio, conforme a versão não menos pérfida dos seus inimigos. Ronaldo e sua trupe bateram em retirada, aninhando-se no PSDB. Maranhão virou dono de um partido que cada vez mais definha e é candidato indiscutível a ser o último a apagar a luz de uma agremiação que já foi gloriosa, quer nos domínios tabajaras, quer no plano nacional.
Na crise atual no arraial socialista, que é o que interessa e que rende manchetes, Coutinho aparentemente ganhou o primeiro round, assegurando para si o controle do partido, que lá atrás ele já tomara de Nadja Palitot, como recapitulamos em artigo anterior. A opção da cúpula nacional por Ricardo e não por Azevêdo parece visível em face da destituição da atual direção, que, por mais que se tente colocar panos mornos, equivaleu a um ato de força, a uma intervenção que o pernambucano Carlos Siqueira recusa admitir, cioso da sua própria semântica aplicada a instantes de crise. Há quem suspeite que Azevêdo, antevendo dias tenebrosos, já estaria cogitando migrar para outra sigla e ofertas não lhe faltam. Se isto acontecesse, o caso Campestre de 98 no PMDB se repetiria de modo inverso, com o governador batendo em retirada e o ex ficando com os despojos da legenda.
Uma coisa é certa: o clima é propício, demais até, a uma variedade de análises, explicações, interpretações. Já há quem diga que tudo não passa de uma cortina de fumaça para desviar o debate das próximas etapas da Operação Calvário. Nenhuma pista pode ser descartada nessas horas. Os socialistas históricos apenas lamentam o calvário a que a legenda está se expondo, justo quando cresceu e ampliou os espaços de poder no Estado. Esperemos os próximos capítulos.
Nonato Guedes