Enquanto aguarda boas notícias sobre a concessão de sua liberdade, confiante na magnanimidade de ministros do Supremo Tribunal Federal que se tomaram de amores por ele, numa guinada afetiva-jurídica espetacular, o pajé do PT Luiz Inácio Lula da Silva maneja os cordéis de modo a que não lhe façam sombra dentro do partido que sobrevive aos pedaços. É parte da sua estratégia para ser reverenciado como o único e insubstituível líder do PT e dos seus planos para voltar a ser candidato a presidente da República, removida a tralha judicial-burocrática que por ora o impede de voar, confinando-o uma sala da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, onde tem lá suas regalias.
Um exemplo concreto da tática posta em curso por Lula da Silva está na ordem mais recente expedida da cela especial de Curitiba: a deputada Gleisi Hoffmann, do Paraná, permanece na presidência nacional do Partido dos Trabalhadores, por tempo indeterminado, excluindo-se qualquer movimento ou articulação para substituí-la. Foi uma medida preventiva diante de notícias que chegaram ao conhecimento do pajé petista de que expoentes remanescentes do PT estavam ensaiando uma ascensão ao comando nacional, como espécie de trampolim para provável candidatura a presidente da República em 2020. Este era, aparentemente, o caso do político baiano Jacques Wagner, que teria tido de pronto cortadas as suas ambições, tidas como golpistas pelos adoradores do pajé Lula da Silva. Na verdade, conforme versão do jornalista Ricardo Noblat, Wagner recusou insinuação de Lula para dirigir o partido. Seja como for, tudo continua como dantes no quartel de Abrantes.
Gleisi encarna o figurino da anti-petista por excelência; está mais para uma madame da política, com suas unhas bem cuidadas e o batom de cores vibrantes. Estava senadora, mas incerta quanto à reeleição, diante do desgaste no seu próprio Estado de origem, e optou acertadamente por se garantir na Câmara Federal, onde a duração do mandato é menor, mas a imunidade é praticamente a mesma e há holofote de plantão para projetá-la nas investidas verbais que são variações de um tema só: a perseguição política contra Lula. É utilíssima ao pajé porque não emula com ele pelo contrário, idolatra-o, e cumpre ao pé da letra as instruções repassadas na PF de Curitiba. Quebrou a cara quem pensou que Lula abriria espaço na máquina do partido para Fernando Haddad, o ilustre professor que deu combate a Bolsonaro como candidato em 2018 e ainda amealhou 45 milhões de votos. Ou para Dilma Rousseff, a ex-presidente lançada originalmente como poste e que no início do segundo mandato provou do gosto amargo do impeachment, a que, no seu caso, denominou de golpe, espécie de quartelada parlamentar. Dilma, em tese, era favorita para ganhar uma vaga de senadora por Minas Gerais. Não deu e ela vive sem rumo, preenchendo o tempo com palestras no exterior onde aprofunda a narrativa do golpe, ainda que recorrendo ao dilmês, uma língua feita sob medida para Dilmas. Ou somente para Dilma Rousseff.
A habilidade política de Lula já foi demonstrada exaustivamente em inúmeras passagens da cena política brasileira e nos movimentos que ele empreende, com agilidade invejável, para conformar o Partido dos Trabalhadores à sua mais completa imagem e semelhança. Antes da Sra. Hoffmann, quem fazia o papel de menino de recados de Lula era um obscuro deputado paulista, capataz de fidelidade inegável, que soube domesticar os xiitas com a ajuda de Zé Dirceu quando o PT chegou ao poder e precisou adaptar-se a um novo figurino que bania, de imediato, a retórica da guerrilha. Ninguém ignora que Lula, dentro do seu joguinho particular, soube alternar os papéis que lhe convinham nas conjunturas distintas, tendose apresentado como Lulinha Paz e Amor em campanhas presidenciais e em momentos de dificuldade vividos já como presidente eleito e consagrado. Quando acusa revezes para si e para o partido, faz cara feia, parte para o ataque ferino. E assim tem vivido, ele, o PT, a humanidade.
Há muito trabalho pela frente, como parte da operação para reconstrução do Partido dos Trabalhadores, não só para participar das eleições de prefeituras no próximo ano, mas para revitalizar os próprios quadros da legenda, que foram se esvaziando com os sucessivos escândalos e com o encarceramento de líderes ou de cabeças coroadas nas instâncias diretivas. Muita coisa mudou no pós-PT-poder, inclusive, a legislação sobre o Fundo Partidário. Os tempos já não são promissores como aqueles em que o PT registrava caixa dois como dinheiro não contabilizado, na expressão antológica de deDelúbio Soares, o tesoureiro novo rico da legenda lulopetista. Mas a esperança é a última que morre. E o que restou do PT não só aposta na liberdade do pajé Lula como na derrocada do outsider Jair Bolsonaro, mais preocupado com a nomeação do filho para embaixador nos EUA do que com a solução real dos problemas do Brasil.
Nonato Guedes