Soaria prosaica se não tivesse soado grave a declaração do deputado federal Alexandre Frota (SP) de que não sente um pingo de constrangimento ao trocar o PSL do presidente Jair Bolsonaro pelo PSDB, onde ainda resiste incólume, e sem ser molestado, o ex-senador, hoje deputado Aécio Neves, de Minas Gerais, que praticamente eclipsou-se do noticiário ao ser afetado pelos estragos da Operação Lava-Jato, tendo se submetido a um rápido estágio na prisão. Frota, um ex-ator pornô que foi da linha de frente da campanha de Bolsonaro mas hoje o considera esquisito, comparou, a título de justificativa por estar dividindo metro quadrado no ninho tucano com Aécio: O PSL tem o Queiroz. O terrível Queiroz, protegido dos Bolsonaro, arrolado em peripécias mirabolantes e, como soi acontecer, absolutamente impune.
O que se depreende de observações assim, que não contribuem necessariamente para oxigenar o debate político, até porque não giram em torno de princípios ou de propostas, é que vai se banalizando na política brasileira ressalvadas exceções honrosíssimas a figura do bandido de estimação. Antes, os partidos jactavam-se de possuir em suas fileiras as reservas éticas e morais, os luminares da correção e, claro, da sapiência. Seria fastidioso citar nomes, em meio a tantas expressões que pontificaram com brilhantismo nas tribunas, nos plenários das Casas Legislativas, que deixaram legados ainda hoje apreciados por estudiosos de diferentes matizes. Hoje, há um imenso deserto de homens e de ideias. Em quem podemos nos inspirar nestes tristes tempos?
Essa mudança cultural e conceitual no horizonte da política-partidária tem a ver com a degradação a que, infelizmente, essa atividade que deveria ser nobre foi submetida, subvertendo valores, até mesmo desprezando-os, em nome de interesses fisiológicos que descaracterizam legendas respeitadas ou pelo menos saudadas no nascedouro como germes de renovação. O Partido dos Trabalhadores, que se apresentou aos brasileiros e brasileiras como paladino da moralidade, supra-sumo da ética, que se regia por um código rigoroso no que inferia a esses princípios, deu no que deu: no mensalão, no petrolão, no impeachment de Dilma, nas prisões em série de figuras exponenciais, até chegar ao ex-presidente Lula da Silva, o mítico protagonista da narrativa do operário que ascendeu ao Poder…e lá se deu bem, antes de se dar mal.
O PSDB, que buscava se diferenciar pela densidade intelectual, que propiciaria reflexões instigantes sobre a problemática brasileira e, por via de consequência, o oferecimento de alternativas para os impasses que nos acometem, deixou, efetivamente, seus marcos como, por exemplo, na estabilização da economia, da mesma forma como governos petistas ensaiaram uma distribuição de renda através do Bolsa Família e aceleraram as turbinas da transposição das águas do rio São Francisco, no Nordeste sacrificado e ultimamente estigmatizado nas referências de Bolsonaro. Mas o PSDB tem um contencioso de escândalos, a partir de gestões instaladas em São Paulo. E convém não esquecer que foi no seu interior que nasceu o famoso mensalão mineiro, copiado com mais profissionalismo pelo Partido dos Trabalhadores, inclusive, recrutando operadores remanescentes das hostes tucanas, como o inefável Marcos Valério. Empate entre PT e PSDB na questão ética? Não é um palpite improvável, se levarmos em conta, ainda, o bafafá que até hoje cerca a reeleição do príncipe dos sociólogos Fernando Henrique Cardoso em 1998, quando se insinuou compra de votos de congressistas para a aprovação do instituto da recondução ao Executivo.
É possível que a proliferação de bandidos de estimação em legendas públicas, substituindo homens de bem que tinham compromisso com o espírito público, tenha a ver com os foros de criminalização porque passa a atividade política brasileira nas últimas décadas. Passou a se institucionalizar algo que se temia a conversão da política, de sacerdócio, em negócio. E nesse território não há distinções de siglas, pseudo-ideologias ou homens públicos. Deu-se um nivelamento degradante, que enoja a opinião pública e que cada vez mais recheia as páginas policiais. Um país que encarou tantas batalhas memoráveis pela democracia não merece, hoje, estar alimentando bandidos de estimação. Para estes, o caminho é o do expurgo, nos partidos, e da cadeia, para pagar pelos crimes cometidos contra o dinheiro público. Mas isso é utopia. Ou não?
Nonato Guedes