Uma versão bastante disseminada nos meios políticos dá conta de que as grandes conspirações na esfera de poder, no âmbito do Executivo, são forjadas e detonadas a partir dos gabinetes de vice-presidentes da República. Por algumas razões peculiares: o vice está sempre na expectativa de ser o titular, e embora muitos não o confessem, torcem secretamente para que o primeiro da hierarquia dê uma topada grande e, forçosamente, abra vaga para a entronização do companheiro de chapa. Não se trata de uma regra, mas também não é uma exceção.
Tudo isto vem a propósito de entrevista de Michel Temer, que foi vice de Dilma Rousseff e virou titular com o impeachment dela, ao Valor Econômico, dando conta de que não manejou os cordéis para o impedimento da desnorteada dirigente petista. Temer, na pose de bonzinho, que é a sua predileta, chegou a afiançar ter feito gestões para que não se consumasse o desideratum, embora viesse a ser beneficiário. Na época, muitos recordam, houve um desaguisado feio entre titular e vice e há registros de atuação de Temer (MDB) nos bastidores, para chegar ao poder maior. O ex-presidente ressalta que se tratava de uma medida mais política do que jurídica a verdade é que Dilma foi garfada sem dó nem piedade por congressistas.
A participação de Temer não foi no sentido de agir com diplomacia e manter Dilma na presidência da República. Pelo contrário, ele estava transido para assumir o poder e teria sido capaz de vender a alma ao Diabo para chegar lá. Recebia, em seu palácio de vice, políticos de extrações variadas e de partidos distintos que compõem a sopa de letrinhas ainda reinante no cenário institucional tupiniquim. Temer tinha convicção de que haveria um desmembramento na avaliação das denúncias, de tal sorte que ele escaparia. A História mostra que Temer escafedeu-se com galhardia e logrou materializar seu propósito, enquanto Dilma gemia e estrebuchava em meio ao rolo compressor que culminou com o seu isolamento e com a falta de maior empenho dos próprios petistas, que não reconheciam nela traços ortodoxos associados ao petismo. Dilma era apenas o poste de Dilma, na cabeça dos seus algozes existentes na república da Era Lula. Com acesso a informações privilegiadas, Temer abriu canais para deixar claro que, com ele, seria melhor. De mais a mais, Dilma nunca deu importância a Temer, a quem engolia na marra devido à composição firmada com o PMDB, dentro daquela tese de que vale tudo para preservar uma tal de governabilidade.
Ao apresentar, agora, uma versão típica de contos de carochinha, Temer busca ficar bem na fita, mais precisamente nos arquivos históricos, tanto mais porque o lulopetismo massificou a narrativa do golpe ou da quartelada parlamentar para destronar a primeira mulher presidente do Brasil. É possível que, por desencargo de consciência, uma ou outra vez tenha pipocado algum alerta de Temer a Dilma, sobre estar a presidente cortejando o abismo ou a própria degola. Nada que ajudasse a salvar a pele da presidente petista. Até porque, na leitura que fazem os petistas, o estigma de conspirador ou de traidor estava inexoravelmente tatuado no perfil do ex-presidente da República. A formação da chapa Dilma-Temer foi feita em cima da promessa de reforço na captação de votos durante a eleição presidencial. Mas, para Dilma, o grande guru era Lula da Silva, que mais tarde a apelidou de Mae do PAC.
O já falecido governador da Paraíba, Ernani Sátyro, que era apaixonado por whisky e poder, dizia que exercer o poder era a suprema glória para qualquer político. Um repórter indagou-lhe se considerava espinhosa a cadeira do poder. Na que eu ocupo, só se os espinhos nasceram pra baixo, ironizava Sátyro. O sonho da quase totalidade dos gestores é perpetuar-se no poder, porque a comida é farta, a mordomia é algo que se perde de vista e tem o puxa-saquismo, atitude vergonhosa que, no entanto, deslumbra governantes, aqui ou no Cazaquistão. Temer tinha ambição pelo poder. E deixou correr frouxo o trem do impeachment de Dilma, até que houvesse o descarrilamento. E houve! O poder é afrodisíaco, definiu Henry Kissinger, secretário de Estado americano. É um néctar para os homens. E a máxima de Kissinger continua valendo como verdade irrefutável, em qualquer lugar do planeta. O mínimo que se pode dizer é que não colou esse mea culpa que Temer, agora, tenta professar.
Nonato Guedes