O presidente Jair Bolsonaro não foi o único político brasileiro a entrar em choque com os franceses, incluindo autoridades, no bojo de infelizes e preconceituosas declarações contra Brigitte Macron, mulher do presidente Emmanuel Macron, e contra o próprio dirigente, tendo como pano de fundo opiniões divergentes sobre incêndios na Amazônia. Bolsonaro apoiou comentário ofensivo à primeira-dama francesa, zombando com sua aparência (ela é mais velha do que o marido) e tentou voltar atrás negando que a tivesse ofendido. Na década de 60, o ex-governador da antiga Guanabara, posteriormente Estado do Rio, Carlos Lacerda, conhecido como demolidor de presidentes no Brasil, foi a Paris explicar a chamada revolução de 1964, que a crônica internacional apelidou de golpe ou quartelada.
Logo no aeroporto de Orly, acossado por jornalistas de órgãos prestigiosos de imprensa da Europa, Lacerda irritou-se com uma pergunta sobre não ter havido derramamento de sangue na tal revolução brasileira e disparou: É que revolução no Brasil é como lua de mel em casamentos, na França. Seria uma alusão à fábula em torno de princesas com sangue azul. Repórteres franceses, declaradamente hostis a Lacerda, o crivaram de perguntas sobre prisões e torturas, irritando o polemista político e jornalista brasileiro. Ao ser interpelado sobre sua fama de demolidor de presidentes, Lacerda respondeu de bate-pronto: Eu não derrubo presidentes. Eles caem como frutos maduros. De qualquer modo, derrubei menos presidentes que o general De Gaulle. A provocação de Lacerda tinha a ver, também, com o folclore de que De Gaulle teria dito, em certa ocasião, não ser o Brasil um país sério.
Não satisfeito com a descortesia, Lacerda fez uma insinuação jocosa a respeito da próxima visita do presidente francês à América Latina: Brigitte Bardot foi o melhor embaixador que a França enviou ao Brasil nestes últimos anos. Por fim, criticou o tom régio utilizado por Charles De Gaulle em seus pronunciamentos, que considerava impróprio, pois a França ainda não é uma monarquia. As respostas, em lugar de amenizar as críticas, criaram uma indisposição ainda maior contra o governo brasileiro. E o governador, ainda que em missão oficial, foi ignorado pela imprensa e pelas autoridades francesas, a ponto de De Gaulle ter se recusado a recebê-lo. Carlos Lacerda, que apoiou o golpe militar na expectativa de vir a ser presidente da República, acabou tendo direitos políticos cassados, recebendo o mesmo tratamento dispensado a algozes declarados do regime, como Juscelino Kubitscheck e Leonel Brizola.
Ontem, em Brasília, o presidente Jair Bolsonaro recuou e disse que ainda pode discutir o recebimento pelo governo brasileiro de US$ 20 milhões (cerca de R$ 83 milhões) oferecidos pelo G7 para a Amazônia. Na noite de segunda-feira, o Palácio do Planalto havia informado que o montante, anunciado pelo presidente francês Emmanuel Macron, seria rejeitado em meio a uma crise diplomática aberta com a França. Em entrevista, na entrada do Palácio Alvorada, Bolsonaro ressaltou, no entanto, que só aceita negociar o aporte se Macron pedir desculpas a ele, por tê-lo chamado de mentiroso e retirar declarações sobre a internacionalização da floresta amazônica. A maior parte do dinheiro oferecido pelas nações europeias é para o combate à série de incêndios. O presidente da França sugeriu que faltou tato a Jair Bolsonaro na réplica às considerações de Paris sobre os incêndios na Amazônia. Disse que a Amazônia é estratégica para o mundo inteiro, tanto em termos de aquecimento global quanto de biodiversidade. E concluiu Macron: Somos um país soberano quando aceitamos com alegria e gentileza a solidariedade internacional, porque é um sinal de amizade.
Nonato Guedes, com Folhapress