No dia seis de setembro de 2018, o então candidato a presidente da República Jair Bolsonaro (PSL) concluía incursão de campanha na cidade de Juiz de Fora, Minas Gerais, quando foi surpreendido por uma facada na barriga, desferida por Adélio Bispo de Oliveira, numa tentativa para assassiná-lo, em meio à multidão que cercava o postulante cujo slogan era Mito. Quase um ano após a tarde daquele dia, que entrou para a história política nacional, o roteiro do fato é relembrado por testemunhas da agressão e circunstantes que se envolveram, de algum modo, no episódio. Apesar da observação de analistas políticos de que o fato interferiu nos rumos da campanha, Bolsonaro afirma que já estava eleito, antes da agressão.
A Folha de São Paulo assim relata o incidente: Parque Halfed, centro, 15h06: Bolsonaro se depara com uma aglomeração eufórica. Eram milhares de pessoas que até o dia anterior temiam um vexame de público na cidade onde o nome do PT ao Palácio do Planalto liderava eleições desde 1998. Empolgado, o candidato contraria orientações de seguranças e decide se juntar à passeata com apoiadores, montado nos ombros de um agente da escolta, sem um cordão de isolamento. O mar de gente toma o calçadão da ruaHalfed. Mito, mito, mito!, gritam em coro. Eu vim de graça, provocam. Rua Halfed, esquina com Batista de Oliveira, 15h30: Adélio, até então só mais um na multidão, chega perto de Bolsonaro e enfia uma faca de cerca de 30 cm na barriga dele. A vítima é colocada no chão em frente à Internacional Lanches, enquanto o agressor leva socos e pontapés, até ser protegido por policiais. No tumulto, pessoas abrem espaço para a Pajero da Polícia Federal que levará o político para a Santa Casa. O Adélio só não foi linchado porque a polícia conteve o pessoal, relembra o advogado Eduardo Jeyson, 43, que naquele dia corria para tirar selfies com Bolsonaro ao fundo e, por pouco, não fotografou com seu celular o momento exato da estocada. Segundo ele, a sensação era de muita tristeza. Para mim, ele não sairia daquilo vivo, conta.
Nos arredores, é fácil achar quem tenha presenciado o ataque. Testemunhas contam que a reação inicial foi de dúvida: uns falavam em murro, outros gritavam que Adélio usara um soco-inglês para atingir Bolsonaro. Até suspeita de tiro foi cogitada. Foi facada, foi facada, concluíram. Bolsonaro mantinha, àquela altura, a liderança nas pesquisas, com 22% das intenções de voto, segundo o Datafolha. No primeiro levantamento após o ataque, avançou para 24%, assumindo de vez a dianteira. Com uma orientação médica em mãos, ausentou-se de debates na TV e suspendeu a campanha de rua até se recuperar do atentado. Adélio, o autor confesso, está trancafiado no presídio federal de Campo Grande (MS), de segurança máxima. Ex-filiado ao PSOL, disse que discordava das ideias do presidenciável e que agiu a mando de Deus. Declarado inimputável, foi absolvido em junho. A Justiça considerou que ele não poderia responder pelo ato, por ter um transtorno mental, mas decidiu que deve ficar no presídio e se tratar. Adélio corre risco fora dali.
Bolsonaro, eleito com 55% dos votos no segundo turno (em Juiz de Fora obteve 52%dos votos, superando o petista Fernando Haddad, manteve o assunto em evidência desde a vitória. A facada que quase o matou virou trunfo político. Sempre que pode, Bolsonaro se refere ao episódio. Em almoço com jornalistas, no sábado (31) chegou a chorar. Em 31 de julho, sem motivação aparente, ele publicou em suas redes sociais um vídeo com imagens de sua transferência para o hospital Albert Einstein, em São Paulo, onde ficou internado por 23 dias em 2018. O imprevisto fatídico frustrou ainda a surpresa reservada para o encerramento do comício: uma queima de fogos, ao longo de 17 minutos, em referência ao número do PSL na urna. Resolveram guardar os explosivos, que só foram detonados quase dois meses depois quando o esfaqueado foi eleito presidente da República.
Da Redação, com Folha de São Paulo