O transcurso dos 50 anos do Jornal Nacional da Rede Globo de Televisão traz à tona algumas polêmicas provocadas pela emissora no campo da informação, um dos seus eixos capitais, ao lado do entretenimento. Em 1982, nas eleições diretas para governador, estourou no Rio de Janeiro o caso Proconsult, empresa contratada pela Globo e acusada de manipular os resultados da eleição para prejudicar o candidato Leonel Brizola, um dos mais ferrenhos críticos das Organizações do empresário Roberto Marinho, já falecido. A Proconsult havia desenvolvido um programa capaz de subtrair votos de Brizola e adicioná-los para Moreira Franco. Ao divulgar apenas os resultados da apuração oficial, a Rede Globo de Televisão, líder de audiência, seria vital para o sucesso da fraude, pois emprestaria credibilidade aos falsos resultados.
O caso ganhou repercussão mundial após entrevista convocada por Brizola na qual declarou que só a fraude vai nos tirar a vitória e se arrastou até fins de novembro, quando o Tribunal Regional Eleitoral afastou a Proconsult e pediu recontagem ao Serpro, comparando com os números apurados na contagem particular do PDT. Brizola, preocupado com fraudes, articulou um esquema paralelo de apurações e, ao final, saiu consagrado das urnas. Para o cientista político Luiz Felipe Miguel, em declarações à revista Caros Amigos, edição especial de 2015 sobre o poderio da Globo, a participação da Rede foi amplamente comprovada e talvez seja um dos casos mais graves de tentativa de manipulação da história das comunicações no Brasil. Cinco anos mais tarde, numa entrevista ao jornal norte-americano The New York Times, o próprio Roberto Marinho confessou sua aversão ao candidato do PDT.
– Em determinado momento, me convenci de que o senhor Leonel Brizola era um mau governador. Ele transformou a cidade maravilhosa que é o Rio de Janeiro numa cidade de mendigos e vendedores ambulantes. Passei a considerar o senhor Brizola daninho e perigoso e lutei contra ele. Realmente, usei todas as possibilidades para derrotá-lo confessou Marinho. Professor da Universidade de Brasília, Luiz Felipe Miguel assim descreveu Roberto Marinho: Ele foi bem mais que um empresário da comunicação; foi um dos principais expoentes numa linhagem de empresários da comunicação que usaram o poder das suas empresas para intervir na política brasileira. O ex-ministro da Justiça, Armando Falcão, por sua vez, lembrou que as Organizações Globo apoiaram a ditadura militar de 64 desde antes da sua eclosão. Anos mais tarde, a empresa publicou um mea culpa, o que não a exime de conivência com arbitrariedades cometidas no período de exceção.
O mais vergonhoso Segundo a reportagem especial de Caros Amigos, o mais vergonhoso episódio de manipulação da Rede Globo aconteceu, porém, no ano de 1989, na primeira eleição direta a presidente pós-redemocratização. O debate do segundo turno das eleições presidenciais entre os candidatos Fernando Collor de Mello (PRN) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) entrou para a história do País. A interferência direta da TV Globo na edição final entre os dois mudou os rumos do pleito. Havia 23 candidatos inscritos. A Globo demonstrou simpatia por Mário Covas (PDSB) mas acabou apostando em Fernando Collor, que tinha chances maiores e acabou sendo eleito. No dia 14 de dezembro, um dia antes do segundo turno entre Lula e Collor, a Rede Globo exibiu no Jornal Nacional uma versão editada do debate entre os dois postulantes, ocorrido no dia anterior, 13 de dezembro.
A Globo exibiu duas edições do encontro entre os presidenciáveis a primeira, mais equilibrada, no Jornal Hoje, no início da tarde. Mas, no Jornal Nacional, a poucas horas da eleição, a edição foi fundamental para que Collor se consagrasse presidente: o candidato do PRN teve um minuto e meio a mais que Lula e a Globo optou por mostrar apenas os melhores momentos de Fernando. Por outro lado, foram veiculadas apenas as piores respostas do petista. Em dezembro de 2011, 22 anos após a esdrúxula atuação global no debate, o todo-poderoso José Bonifácio de Oliveira Sobrinho (Boni) reconheceu a manipulação, em entrevista ao jornalista Geneton Moraes Neto, da Globo News: Nós fomos procurados pela assessoria do Collor. O Miguel Pires Gonçalves é que pediu que a gente desse alguns palpites e eu achei que a briga do Collor com o Lula estava desigual, porque o Lula era o povo e o Collor era a autoridade, admitiu Boni, sem qualquer pudor. Narrou, em detalhes, a saga da produção: Nós conseguimos tirar a gravata do Collor, colocar um pouco de suor com glicerinazinha e colocar as pastas todas que estavam ali, com supostas denúncias contra o Lula. Essas pastas estavam inteiramente vazias, com papéis em branco. Foi uma maneira de melhorar a postura de Collor junto ao espectador, para ficar em pé de igualdade com a popularidade de Lula. Mais tarde, a Globo projetou os cara-pintadas, estudantes que detonaram o movimento pelo impeachment de Collor, afinal consumado em 1992.
Nonato Guedes, com Caros Amigos