Os aliados mais próximos comparam que ele está demonstrando que é duro na queda. Referem-se à capacidade que o governador João Azevêdo (PSB) vem tendo de contornar tempestades nos primeiros meses de gestão e assegurar a indispensável governabilidade para o Estado da Paraíba. Azevêdo enfrenta turbulências dentro e fora de casa. A mais surpreendente, para a opinião pública local, é o confronto com o ex-governador Ricardo Coutinho, que se fez fiador e cabo eleitoral decisivo da campanha de Azevêdo à sua sucessão, vitoriosa em primeiro turno no ano passado, numa façanha indiscutível já que, até então, o gestor atual não havia disputado mandatos eletivos.
Além das divergências com Ricardo que dá a impressão de ter emprestado o governo a Azevêdo e está recalcitrante porque não é informado pelo sucessor das decisões mais polêmicas e importantes que ele toma à frente da administração estadual João vê-se a braços com o temperamento mercurial do presidente Jair Bolsonaro, que a todo instante fustiga governadores que lhe fazem oposição, principalmente os do Nordeste, que costuma chamar de paraíbas, adotando a expressão pejorativa cunhada para designar a gente desta terra. Não é fácil sustentar equilíbrio numa conjuntura adversa como essa com que João se depara. Conspiram a seu favor a racionalidade, o pragmatismo e a consciência de que cabe a ele governar, bem ou mal, desideratum do qual não cogita fugir, em respeito à população paraibano e em sintonia com os seus próprios escrúpulos.
Para quem era neófito em política, Azevêdo tem batido as paradas com o jogo de cintura política que exibe, evitando deixar-se sufocar pelo protagonismo natural do antecessor, Ricardo Coutinho, que empalmou oito anos de mandato no Palácio da Redenção e que forjou uma liderança política indiscutível, embora, no momento, esteja desequipado de instrumentos de poder com que possa atrair multidão de discípulos. Coutinho tem um modo peculiar de enxergar as coisas nesse aspecto, deixa fluir um certo messianismo de que se julga imbuído. Quando governador, no estilo desabrido com que costuma pontuar suas intervenções, tentou a todo custo vender a ideia de que estava inventando a Paraíba, ou, se quiserem, reinventando-a, à sua imagem, estilo e semelhança. Para Ricardo, o legítimo modelo de gestão foi introduzido a partir da sua subida aos céus do poder, no que foi providencialmente auxiliado por dons excepcionais, conferidos a poucos mortais.
O personalismo de Ricardo, além de ser uma característica inata, foi alimentado, por estratégia, como combustível para fermentar adesões, pelo menos de um agrupamento denominado girassol, que tem se empenhado em jogar para o lixo as suas próprias contradições como tática para fazer prevalecer um estilo quimicamente puro de fazer política e de administrar. Por contradição leia-se a miríade de alianças eleitoreiras que Ricardo fez com partidos e políticos com os quais hoje nega afinidades, mas que foram essenciais na sua travessia para ascender, casos do PSDB do ex-senador Cássio Cunha Lima e do Democratas do ex-senador Efraim Morais. Ficou claro, desde o começo, para setores abalizados da opinião pública, que eram mínimas, senão inexistentes, as afinidades entre o Ricardo do PSB e os aliados tucanos e ex-pefelistas. Na leitura de RC, foram alianças corretas nos momentos em que foram feitas ou seja, na hora crucial para elevá-lo à curúl governamental.
Cumpridos os objetivos que massagearam o ego do ex-governador e pavimentaram a sua experiência no comando pessoal e intransferível do poder, os aliados eventuais tornaram-se descartáveis. Pior: em relação a Cássio e ao PSDB, Ricardo tomou-se de ojeriza incompreensível, transgredindo os limites da fronteira da civilidade que o bom senso recomendava. Lembremos que o falecido deputado Rômulo Gouveia entregou de bandeja um partido, o PSD, ao clã Cartaxo, que usou e abusou do período das vantagens, não tendo pejo em se desligar dele e buscar outra sigla na eterna ambição de conquistar mais espaços de poder. E Rômulo reagiu, publicamente, com serenidade, ainda que, por dentro, estivesse corroído, com justa razão, pelo sentimento da decepção.
Coube a Ricardo Coutinho atirar a primeira pedra no caminho do rompimento com o sucessor em cuja eleição influiu João Azevêdo. Isto se deu porque os homens, vale repetir, não fervem à mesma temperatura e porque Ricardo é um eterno irresignado, o que lhe dá a aura de rebelde em tempo integral. Sem demérito das ações administrativas que concretizou, é um político não convencional, tal como o ex-ministro Abi-Ackel defendeu o falecido governador Tarcísio Burity. O componente iconoclasta de Ricardo, que o fez extinguir um Coletivo que ele mesmo criara, reforça a suspeita de que a política não é sua grande paixão. Em casos assim, é difícil sobreviver com prestígio, liderança e, sobretudo, poder.
Nonato Guedes