Reproduzo uma historinha de bastidores sobre gestos e atitudes que marcaram a escolha de Dilma Rousseff como candidata a presidente da República pelo PT em 2010, conforme relato de Chico de Gois e Simone Iglesias no livro O lado B dos candidatos: Lula e o PT se viram sem um sucessor natural depois que José Dirceu e Antônio Palocci, envolvidos em escândalos, ficaram de fora do jogo político-eleitoral. Nos subterrâneos do poder petista, ganhava corpo uma disputa interna entre quatro petistas que cortejavam a bênção do pajé Lula: Tarso Genro, Patrus Ananias, Jaques Wagner e Aloizio Mercadante. Era fim de 2007 e os quatro já se movimentam internamente, mas Lula tinha outro plano.
Tarso Genro conta: Houve um episódio bem marcante, quando percebi que Lula tinha tomado sua decisão. Cheguei ao gabinete para uma reunião e ele estava comentando com Guido Mantega uma pesquisa. Eu aparecia com 2,3%, Aloizio com dois e alguma coisa, todo mundo embolado, com dois pontos e alguma coisa. Guido estava brincando, dizendo que daquele jeito ia ser candidato. Lula olhou para ele e disse: Você está enganado. Agora é a vez das mulheres. Aqui, no Brasil, temos que ter uma candidata mulher. Naquele momento eu percebi que Lula já tinha escolhido. Essa conversa aconteceu uns dois meses antes do evento público em que Lula chamou Dilma de mãe do PAC.
No dia 7 de março de 2008, no Rio de Janeiro, Lula sacramentou sua escolha: A Dilma é uma espécie de mãe do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). É ela que cobra, junto com o Márcio Fortes (ministro das Cidades), se as obras estão andando. E agora vocês vão ver o que é ser cobrado pela Dilma, discursou o presidente. A ministra estava no palanque, porém, mais afastada. Foi puxada por Lula para ficar ao seu lado. Escolhida Dilma, Tarso, de saída do ministério da Justiça para concorrer ao governo gaúcho, definiu a candidatura como resultado de um vazio partidário. Pessoas próximas a Dilma contam que ela não gostou das declarações do petista e que a partir daquele momento passou a ver Tarso com reservas. No contexto, a declaração de Tarso foi correta, porque partia do princípio de que o mensalão havia fragilizado o Partido dos Trabalhadores. Lula valeu-se do tal vazio partidário para não permitir que grupos políticos passassem a disputar a indicação. Foi, então, que apresentou a candidaturade Dilma como de composição.
Tarso Genro avaliou que se Lula não escolhesse alguém de fora do debate interno do mensalão, que principiou o desgaste ético do Partido dos Trabalhadores, o PT poderia entrar rachado nas eleições e, consequentemente, desestabilizar-se. Nós estávamos envolvidos no debate de correntes. Dilma não estava envolvida nas polêmicas internas do partido. Quando Lula coloca o nome dela, ele pacifica o partido, prosseguiu Tarso. Os autores do livro lembram que Dilma sempre sededicara às eleições dos outros mas nunca havia concorrido a nenhum cargo. Com um sobrenome de difícil compreensão e pouco conhecida pela massa de eleitores, especialmente nas regiões Norte e Nordeste, no começo da campanha de 2010 Dilma era chamada de Vilma Houssein imagina-se que pela popularidade de Saddam Houssein, e de a mulher do Lula. Em agosto daquele ano, uma pesquisa CNT/Sensus chegou a detectar que as pessoas achavam que Dilma era realmente a esposa do Lula. O instituto perguntou aos entrevistados quem teria o melhor perfil para dar continuidade às políticas sociais e econômicas do governo. A mulher do Lula foi apontada por 55%, ao que o pesquisador indagava: A primeira-dama, Marisa Letícia?, e ouvia como resposta: Não, a Dilma!.
Pelos relatos de pessoas próximas, ela nunca foi comunicada formalmentepor Lula que era a escolhida para sucedê-lo. As coisas foram evoluindo naturalmente. A formalização veio em discursos e entrevistas. Tanto que quando avisou aos familiares não sabia direito como explicar o que estava acontecendo. Dilma chegou a dizer ao ex-marido Araújo que os indícios de sua candidatura eram muitos. Ele (Lula) vai me colocar de candidata sem nem falar comigo, conheço o presidente. É o jeitão dele. Os ministros saem do gabinete, passam na minha sala e me chamam de a candidata. O último a fazer isso foi o Palocci e eu pedi para não criar problemas na minha vida. Não sei de nada disso e não quero fofoca, relatou aos familiares. E assim foi. Virou a candidata do PT sem que nunca houvesse um momento em que Lula a chamasse ao seu gabinete ou ao Palácio da Alvorada ou a qualquer lugar para fazer a proposta.
Dilma, em 2010, foi o poste de Lula. Hoje, é abandonada e esquecida pelo pajé e seus discípulos. O novo xodó de Lula é o Fernando Haddad. Se ele, em pessoa, não puder ser candidato, por causa dos processos a que responde na Justiça.
Nonato Guedes