Transcrevo este artigo de Sebastião Nery, escrito em 1977 e inserido no seu livro Ninguém me contou; Eu Vi De Getúlio a Dilma. O artigo trata de um personagem da história da imprensa brasileira que se notabilizou pela combatividade e, também, pelo idealismo, em tempos difíceis nos quais o idealismo predominava acima de interesses pecuniários: Hélio Fernandes, denominado por Nery como o guerrilheiro da notícia.
No fim de 1968, já cansado do anonimato profissional na editoria política da TV Globo, entrei de manhã no escritório de José Aparecido, no edifício Avenida Central, encontrei Hélio Fernandes conversando sobre as amarguras de um jornal de opinião em um regime de exceção.
– Você, por exemplo, Nery, por que não escreve na Tribuna da Imprensa?
– Sou nordestino de Jaguaquara. Lá na minha terra a gente só entra na casa dos outros convidado. Não escrevo porque você nunca me convidou.
– Pois está convidado. Quando quer começar?
– Hoje. Quanto você me paga?
– Nada. A Tribuna não tem dinheiro para um profissional como você. Mas tem toda a liberdade que você quiser usar.
À noite, estava eu na redação da Tribuna da Imprensa, na rua do Lavradio, no Rio, entregando minha primeira coluna. Escrevi durante dez anos, todos os dias. Nunca Hélio Fernandes viu a coluna antes, nunca me pediu para mudar nada. Às vezes discordava depois, discutíamos, eu tocava em frente. Com a liberdade que era o meu salário.
Para usar um adjetivo muito dele, um diretor do jornal exemplar. Não fora a censura, estaria lá até hoje, dando meu recado político. Como lá estariam Paulo Francis, Oliveira Bastos, Monserrat, Evaldo Diniz, Genival Rabelo, tantos outros. Mas voltaremos.
Joaquim Cardozo, o poeta genial do cálculo e do verso, é quem melhor localizou, em um poema seco, o campo de trabalho do jornalismo: As coisas estão se reunindo por detrás da realidade. O jornalista é o homem que assiste à reunião das coisas por detrás da realidade. Vai lá e as flagra no seu quente instante. E conta, quer gostemos delas ou não (com perdão pelo plágio). Ao fim desta entrevista com Hélio Fernandes, horas seguidas conversando em frente ao gravador, saí convencido de que ele é o mais militante, o mais de plantão, o mais brigador, o maior guerrilheiro dos jornalistas brasileiros. O guerrilheiro da notícia e da palavra. Dia e noite, há trinta anos, na caverna dos fatos. Onde as coisas continuam se reunindo por detrás da realidade.
– De que mundo veio você?
Hélio Fernandes Nasci no Méier, aqui, no Rio, em 1923. Fiz cinquenta e quatro anos no dia 17 de outubro. Sou inteiramente desligado de qualquer comemoração de aniversário. Nunca comemorei. Fiquei órfão de pai aos cinco anos e de mãe aos onze. Sou totalmente autodidata. Me criei sozinho. E, muito rebelde, ao contrário do Millôr, vivi minha vida inteiramente só. O Millôr, que ficou órfão aos quatro e aos dez anos, se encaminhou em outro sentido. Órfãos, nós fomos morar na casa de tios. Eu com uns, ele com outros. Minha vida foi praticamente sozinho. O Castello Branco, o Castellinho, escreveu uma vez que eu era o sujeito mais investigado da República. Até meu serviço militar foi investigado.
Como é que virou jornalista?
Nunca tinha pensado em jornalismo. Quando estava para sair do exército, o Millôr, que já era jornalista e estrela do jornalismo, um dia falou com o Fred Chateaubriand e o Fred me deu um cartão para o diretor de O Jornal, que era o Carlos Lacerda. Ele não me atendeu, fui embora. Daí a uns três meses, deu-se uma vaga na revista O Cruzeiro, onde trabalhavam Millôr, Franklin de Oliveira, Nelson Rodrigues, David Nasser, Jean Manzon, todo mundo começando uma renovação na revista.
Quais são os novos escritores brasileiros de quem você gosta?
Ninguém. A literatura brasileira acabou há muito tempo e ninguém percebeu. O que se faz hoje é uma literatura falsa, copiada da americana e da europeia. Os livros vendem muito pouco. A literatura brasileira entrou numa encruzilhada.
Grande Hélio Fernandes, magistral guerrilheiro da notícia!!!
Nonato Guedes