Um dos mais rumorosos casos de rompimento político na Paraíba deu-se entre o então governador Tarcísio Burity e o senador Humberto Lucena, que presidia o diretório regional do PMDB. No dia 19 de maio de 1989, Burity endereçou carta a Humberto pedindo sua desfiliação do PMDB. Não poderia continuar, como governador, em um partido que me hostiliza, argumentou, ao relatar para jornalistas a série de desentendimentos que provocaram a sua decisão. O gesto de Burity causou uma troca de mensagens, que a imprensa chamou de epístolas, entre os dois homens públicos. Burity anunciou que iria ficar sem partido e descartou caça às bruxas no secretariado. Se estou sem partido, não estou contra ninguém. Quem quiser trabalhar comigo, muito bem. Quem não quiser…
Tarcísio Burity ingressou no PMDB em 1986 e ganhou a indicação como candidato a governador, que parecia reservada para Humberto. O senador Lucena, internado num hospital em São Paulo, enviou proclamação aos paraibanos hipotecando apoio à postulação de Burity. Naquele ano, Burity derrotou Marcondes Gadelha, do PDS-PFL, por quase 300 mil votos. A decisão de formalizar o rompimento deu-se pouco depois de o senador Lucena divulgar nota oficial, redigida conjuntamente por toda a bancada federal, em que desmentia a existência de um complô contra o governo de Tarcísio Burity. A nota ressaltava o empenho dos deputados federais em favor dos pleitos do Estado e defendia a unidade partidária, como fator decisivo para a vitória peemedebista nas eleições previstas.
Um pivôt do desentendimento entre o governador e o senador Humberto, intérprete do PMDB, foi o incentivo de Burity ao fortalecimento do PL, como estratégia para conseguir maioria na Assembleia Legislativa e poder governar com tranquilidade. O PMDB não aceitou, reagiu e tentou por todos os meios impedir a concretização desse projeto registrou, lembrando que a partir daí foram desencadeadas as hostilidades contra sua administração. Destacou o episódio das eleições municipais, quando não pôde influir na escolha do candidato a prefeito de João Pessoa. Na eleição para a Mesa da Assembleia Legislativa, o deputado João Fernandes recusou apoio de Burity para se aliar com a oposição. A aliança rendeu a derrubada de vetos a emendas de Burity dispondo sobre concessão de reajuste ao funcionalismo. Isso elevou a folha de pessoal de 8 para 26 milhões de cruzados novos, ficando o governo estadual sem condições de pagar os salários, dívidas com os credores e manutenção da máquina administrativa.
No livro Burity Esplendor & Tragédia, o jornalista Severino Ramos, já falecido, citou declaração do então governador de que o confronto deixou de ser apenas com ele. Eles (os deputados dissidentes) partiram para um confronto contra os interesses da Paraíba, deixando de votar autorização para a rolagem da dívida estadual. O ex-governador revelou a jornalistas que não o preocupava o fato de ficar sem legenda. Mas deu outra estocada violenta no PMDB: Não devo ao PMDB a minha eleição. A minha vitória foi bastante expressiva. Venci uma eleição majoritária, que é o voto no candidato e não no partido, com 63% dos votos, enquanto o PMDB, na eleição proporcional, não conseguiu a mesma votação. Burity não ficou sensibilizado com a oferta que lhe foi feita para ser o presidente de honra do PMDB. Em política, esse negócio de presidente de honra não vale nada, desdenhou.
Analistas políticos registraram que a saída de Burity punha fim a um processo de incompatibilidade de gênios entre ele e o partido. Num artigo que escrevi no jornal O Norte, lembrei que desde que se elegeu governador, ingressando acidentalmente no partido, nem Burity se adaptou ao partido nem o partido assimilou o seu estilo. Conviveram durante algum tempo em regime de conveniência o governador precisava politicamente do partido para consolidar seu projeto administrativo, enquanto o partido precisava da administração para se consolidar politicamente. Um e outro, porém, viveram sempre às turras, até que sobreveio o limite da paciência, acrescentei. Revelei, ainda, que o PMDB saía do governo sem ter sido governo, porque na verdade o partido não se considerava totalmente participante da administração. O PMDB viveu mais de fama do que propriamente de proveito, insinuaram políticos de destaque da legenda. Secretários de Burity, como Solon Benevides, Waldir dos Santos Lima, Otacílio Silveira e Aracilba Rocha foram instruídos por Humberto a devolver os cargos que ocupavam. O PMDB nunca foi governo em dois anos, expressava o deputado estadual Péricles Vilhena.
Nonato Guedes