O governador João Azevêdo aproveitou um evento administrativo, ontem, na cidade de Juazeirinho, para demonstrar força política e adicionar mais um capítulo à briga que trava com o antecessor, Ricardo Coutinho, pelo controle da legenda do PSB. Cercado por 15 deputados estaduais, pelo senador Veneziano Vital do Rêgo, por prefeitos e líderes municipais, Azevêdo alertou que não é um “paraquedista” no partido ou como homem público. Foi quando lembrou o seu histórico de luta e atuação nas plenárias do Orçamento Democrático, no papel de secretário em pasta estratégica, “rodando” o Estado para anotar as reivindicações mais urgentes e examinando, com a lupa de técnico abalizado, a viabilidade da solução, ou não, das demandas.
Cabe um parêntesis a propósito do tema: o Orçamento Democrático constituiu menina dos olhos do líder político e administrador Ricardo Coutinho na práxis política desenvolvida à frente da administração pública, como prefeito de João Pessoa, eleito por duas vezes, e como governador eleito em 2010 e reeleito em 2014. RC deixou-se contaminar pela proposta nos tempos de militante do Partido dos Trabalhadores, então, a novidade saudável no cenário político dominado por muito tempo por grupos oligárquicos ou tradicionais. A proposta, sem dúvida atraente, tinha por escopo apropriar-se do engajamento popular na formulação de diretrizes de planos de governo democráticos e descentralizados, refugando o modelo elitista que era a moeda corrente na gestão pública. Em paralelo, as plenárias para elaboração de prioridades do Orçamento contribuíam para injetar consciência política ao cidadão comum e devolver-lhe a dignidade, sem estar ajoujado ao cabresto de chefes políticos que buscavam se eternizar por meio do relho imposto ao cidadão comum.
Houve experiências bem sucedidas de Orçamento e Gestão Democrática, compartilhadas em Estados importantes como o Rio Grande do Sul, onde o PT teve a ousadia de fincar a bandeira vermelha nas franjas remanescentes do caudilhismo de Leonel Brizola, o mito da Rede da Legalidade, do grupo dos Onze, das épicas batalhas a céu aberto em favor da democracia contra o golpe iminente que era urdido pelos quartéis e pelas suas vivandeiras, os políticos oportunistas que tentavam pegar carona na garupa das crises espasmódicas que raiavam no azul do solo verde-amarelo. Tais experiências representaram um contraponto radical aos modelos paternalista e assistencialista, concebidos sob medida para manter o eleitor refém das oligarquias. Por assim dizer, infligiram um corte epistemológico na narrativa política-institucional em vigor, produzindo uma mini-revolução que encharcava as elites de medo pânico, receosas de perder privilégios que jorravam à tripa forra entre comensais ungidos pelos deuses de plantão no poder.
Filão inesgotável, achado inqualificável para uma esquerda cambota, desorientada e perseguida pelos ditadores introjetados pela nova ordem, baseada num nacionalismo tosco que, na prática, era subproduto humilhante do imperialismo insaciável que espalhava tentáculos como um polvo inabalável, o modelo democrático foi a revolução sem armas que parcelas da esquerda deflagraram quando ainda não cogitavam mensalões, mensalinhos e outras maracutaias que embaçaram páginas belíssimas da construção do Partido dos Trabalhadores (referência máxima da política emergente, que vicejou numa assembleia no Colégio Sion, em São Paulo, na década de 80, quando a ditadura militar, pródiga em esbirros e personagens de outro planeta como o general Newton Cruz, “o nosso Mussolini”, no dizer do presidente Figueiredo, contemplando o exibicionismo do comandante das medidas de emergência que implantaram o terror em Brasília. “Mutatis mutandis”, foi a versão atualizada da Pedagogia do Oprimido que Paulo Freire disseminava pelos sertões nordestinos, ou, em outra analogia, uma réplica da sementeira deixada pelas Ligas Camponesas e seus mártires.
Ricardo Coutinho teve, indiscutivelmente, o mérito de ver longe ao implantar, como governante, o modelo democrático de gestão. Mas um empreendimento desse porte não era tarefa para um homem só ou para um grupo de pessoas. Daí porque foram convocados voluntários para se alistarem na experimentação do nóvel estilo de governar. É quando entra a colaboração de João Azevêdo, um técnico com aguda sensibilidade social. Ele se tornou sócio de Ricardo Coutinho na cruzada democrática implementada na nova Paraíba. Da sua prancheta saíam os projetos que guardavam estreita afinidade com a concepção que embasava o estilo democrático. O rompimento político não apaga essa verdade. João, com outros parceiros, outros voluntários, busca manter acesa uma chama que deve continuar sendo indelével, pelo bem que proporciona à saúde do povo e do regime democrático.
Nonato Guedes