O governador Ricardo Coutinho (PSB), que está finalizando oito anos de gestão na Paraíba, foi o político que mais avançou na direção da construção de um governo de “centro-esquerda” – há cientistas políticos que o definem como o primeiro governante de esquerda ao longo de meio século no Estado. A origem política de Ricardo, distanciada de oligarquias e esquemas tradicionais e vinculada a movimentos sindicais e movimentos sociais reforça o viés que lhe é atribuído – para além disso, a prática administrativa executada por Ricardo, de forma até centralizadora, incorporou mecanismos de representatividade popular como o Orçamento Democrático. O Pacto Social inaugurou uma outra relação do Estado com os municípios, acima das cores partidárias, baseado em contrapartidas sociais, não em adesões ou em cooptações políticas, como ele deixou claro no primeiro discurso de posse, em janeiro de 2011.
A Paraíba havia tido governantes como Pedro Gondim, que fez concessões à esquerda em pleno fragor de uma luta política e ideológica renhida que culminou com a deposição, em 1964, do governo democrático de João Goulart e a investidura de um regime militar, de exceção, que durou 21 anos ao preço do sacrifício das liberdades civis e do direito de organização e de expressão da sociedade civil. O próprio Gondim foi, poucos anos depois, punido pelo regime de exceção,tendo cassado o mandato de deputado federal por haver se insurgido contra a cassação do mandato do deputado Márcio Moreira Alves (RJ), que no “pinga-fogo” da Câmara Federal denunciou arbitrariedades da ditadura. Mas Gondim era encarado como um político populista, que se converteu em fenômeno de massas ao se indispor contra ordens da cúpula partidária e aceitar a candidatura ao governo em conjuntura aparentemente desigual. Em 1995, Antônio Mariz tentou adotar na Paraíba o “Governo da Solidariedade”, focado na prioridade aos oprimidos, mas foi vencido por um câncer e entrou na História como “O Breve”, pelo pouco tempo de duração no comando de uma gestão marcada mais por simbolismos do que por resultados concretos.
Ideologicamente, Mariz era classificado como “reformista”, pelo fato de ter sido filiado à Arena, partido que dava sustentação ao regime militar, embora essa opção tivesse sido tomada por motivações políticas paroquiais, ligadas à disputa na cidade de Sousa, seu principal reduto e ele mesmo tivesse integrado um “grupo renovador” na Câmara Federal, mal visto pelos militares, e tivesse colocado o mandato a prêmio quando desafiou a indicação indireta de Tarcísio Burity ao governo em 1978 e enfrentou-o em convenção partidária, sendo derrotado devido ao rolo compressor da máquina do governo. As ideias gerais de Mariz como administrador ficaram sob os ombros do vice José Maranhão, um político nacionalista que fora cassado pela ditadura, e que tentou, na medida do possível, implementar alguns avanços, que acabaram turvados pela adversidade de uma conjuntura nacional que penalizava Estados e municípios.
Houve experimentos reformistas em outros governos que se seguiram na história da Paraíba, mas o governo de Ricardo Coutinho assumiu feição esquerdista induvidosa na análise de sociólogos, historiadores e jornalistas. A trajetória independente e altiva de Ricardo autorizava essa apreciação. Aos 24 anos, sorteado para fazer parte de um curso de especialização para farmacêuticos de hospitais universitários do país, foi ao Rio de Janeiro e acabou participando de um comício pelas “diretas-já”, na Candelária. Data daí a sua conexão com movimentos sindicais, o que incluiu a participação intensa nas articulações para criação da Central Única de Trabalhadores, da qual foi dirigente na área de comunicação na Paraíba. Em 90, Ricardo deixou-se atrair pelo Partido dos Trabalhadores e lançou-se candidato a deputado estadual – não foi eleito mas alcançou votação surpreendente. Em 92, ainda no PT, elegeu-se vereador em João Pessoa pela primeira vez, com reeleição em 86, vitoriando para deputado estadual em 98, reeleito em 2002. Em 2003 deixou o Partido dos Trabalhadores por divergências quanto à pretensão de se candidatar a prefeito de João Pessoa. Ingressou no PSB, onde ganhou a presidência estadual e o passaporte para disputar a prefeitura da Capital. Foi eleito em 2004 e reeleito em 2008, derrotando, inclusive, candidatos do PT. Renunciou à prefeitura em 31 de março de 2010 para concorrer às eleições de governador, firmando aliança com o ex-governador Cássio Cunha Lima (PSDB) e com o então senador Efraim Morais, do Democratas, sucedâneo do PFL.
As alianças políticas celebradas no plano local por Ricardo Coutinho tiveram caráter puramente pragmático, dentro da filosofia de incorporar forças políticas, ainda que discrepantes, para levar à frente o ideário do seu projeto de poder. Em sua trajetória ele também se aliou ao extinto PMDB, que, embora tivesse atuado como agremiação de resistência à ditadura militar, tornara-se uma confederação de tendências, com comando nitidamente conservador. As oscilações políticas de Ricardo em termos de alianças não o estigmatizaram perante o eleitorado. Sua imagem permaneceu intacta, até porque ele continuou militando partidariamente no campo da esquerda. Dentro do PSB, comandou um processo de reaproximação com o PT da Paraíba, que teve reflexos a nível nacional, levando-o a se tornar mais identificado com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e com a ex-presidente Dilma Rousseff, que trouxe à Paraíba, em plena vigência do governo de Michel Temer, para acompanhar a chegada das águas do projeto de transposição do rio São Francisco que fora deflagrado por Lula.
No discurso de posse, quando da investidura pela primeira vez, Ricardo Coutinho deixou gravado um enunciado das suas ideias a respeito do futuro do Estado. Enfatizou que o futuro da Paraíba somente poderia ser erguido sob um novo pacto social, onde os partidos e a classe política deveriam se alinhar acima dos interesses corporativos, em benefício generalizado e permanente. Pregou, também, como ferramenta mestra na condução e enraizamento social da máquina estadual a revitalização de métodos, posturas e desempenhos. E deixou claro o seu interesse prioritário de governar com as representações da sociedade civil organizada, que, na sua visão, iriam contribuir para energizar e reciclar serviços e políticas públicas, integrando e incluindo variados setores da população, “cansados de descompromissos e embustes oficiais”. Ricardo Coutinho aliou teoria à prática, tornando inquestionável o reconhecimento da sua postura moderna, progressista e afinada com a esquerda ideológica.
Nonato Guedes