O governador Ricardo Coutinho (PSB), que está concluindo oito anos de mandato no Executivo paraibano, sempre foi tido como “um político diferente”, a partir das suas origens, desvinculado de oligarquias tradicionais e forjado nos movimentos sindicais e nas lutas sociais. Uma das peculiaridades de sua trajetória foi a estratégia de se aliar a políticos tradicionais para chegar ao poder e, depois, enfrentá-los e derrotá-los nas urnas. Em 2010, Ricardo se aliou a Cássio Cunha Lima (PSDB) e Efraim Morais (DEM, sucedâneo do PFL) para concorrer às eleições de governador. Derrotou José Maranhão, do PMDB, no segundo turno, a 31 de outubro, com 53,70% dos votos válidos. Seu vice era Rômulo Gouveia, deputado federal pelo PSDB por Campina Grande, enquanto Maranhão tinha como vice o deputado estadual Rodrigo Soares, do PT. Em 2014, na hora de pleitear a reeleição, Coutinho fez o caminho inverso: enfrentou Cássio Cunha Lima e derrotou-o no segundo turno com o apoio do PMDB (hoje MDB), que havia lançado o então senador Vital do Rêgo Filho, hoje ministro do Tribunal de Contas da União. Maranhão fez questão de se compor com Ricardo como represália pela falta de apoio de Cássio em 2014.
Este ano, Ricardo resolveu não disputar qualquer mandato eletivo, embora nos meios políticos fosse dada como favorita uma provável candidatura sua ao Senado. Alegou preferir concentrar esforços na vitória do seu sucessor, João Azevêdo, que teve como adversários principais Lucélio Cartaxo (PV), irmão gêmeo do prefeito de João Pessoa, Luciano Cartaxo, e novamente José Maranhão. Coutinho se superou nesse pleito: em fim de mandato, conseguiu eleger em primeiro turno um técnico que jamais exercera mandatos políticos – João Azevêdo, até então secretário de Infraestrutura do governo estadual. Numa demonstração de liderança e fôlego, Ricardo contribuiu para eleger o primeiro deputado federal do PSB sob seu comando – Gervásio Maia, presidente da Assembleia Legislativa do Estado e ampliou consideravelmente a bancada socialista na AL. Também exibiu outro troféu: a eleição ao Senado do deputado federal Veneziano Vital do Rêgo, ex-prefeito de Campina Grande, que deixou o PMDB e ingressou no PSB a convite do governador. No contraponto da vitória de Veneziano, o esquema ricardista festejou a derrota do senador Cássio Cunha Lima, que tentava sua primeira reeleição e ficou em quarto lugar.
Interlocutores de Ricardo atribuem suas proezas políticas ao “timing”, a lances de estratégia e a rompantes de ousadia que o caracterizam. A fácil retórica também é aliada de Coutinho, ajudando-o a traduzir gestos que podem ser tomados como incoerentes. Certa feita, justificando a guinada que patrocinou na política de alianças, ele foi curto e grosso: “Não se deve recusar apoios quando a meta é implantar um projeto de desenvolvimento para o Estado. A aliança feita é correta e positiva”. Foi assim que em 2010 Ricardo percorreu o interior da Paraíba batendo forte em pontos fracos da administração maranhista, e em 2014 desgastou o ex-aliado Cássio apontando-o como remanescente de oligarquia política ultrapassada. Em 2018 voltou suas baterias contra Luciano Cartaxo e os Cunha Lima, em face da formação da chapa Lucélio-Micheline Rodrigues, esta, esposa do prefeito de Campina, Romero Rodrigues, do PSDB, que tem ligações até familiares com Cássio. Fato curioso é que em 2014Ricardo aliou-se aos Cartaxo para tentar eleger Lucélio ao Senado. A vaga, entretanto, foi conquistada por Maranhão.
“O governador costuma guiar-se muito pela sua própria intuição, independente de sair vitorioso ou não nos embates”, define um qualificado assessor de Ricardo para se referir aos movimentos políticos em círculo que o chefe do Executivo empreende no cenário político paraibano. Além de intuitivo, Ricardo é impulsivo. Depois de ter massificado a criação de um agrupamento denominado “Coletivo Ricardo Coutinho”, reunindo liderados fiéis e simpatizantes da militância girassol, o governador cansou do experimento e deu uma de iconoclasta, anunciando, em entrevista ao “Jornal da Paraíba”, a extinção do “Coletivo RC”. O gesto foi interpretado como sinalização de abertura para alianças com não-ortodoxos do ricardismo, o que, de fato, aconteceu.Quem primeiro identificou a germinação de “um político diferente” no horizonte paraibano foi o poeta e ex-governador Ronaldo Cunha Lima, pai de Cássio. Numa solenidade a que compareceu na Assembleia, já em cadeira de rodas, cantou uma pedra com antecedência: “Esse rapaz (disse numa roda, dirigindo-se a Ricardo) vai ser o prefeito da Capital. Não tem quem tome”. Prefeito de João Pessoa duas vezes, deputado estadual, vereador, governador por duas vezes, Ricardo chegou a ser cogitado como alternativa à sucessão presidencial este ano pelo PSB. Aos 58 anos de idade e com largo domínio da realidade paraibana, é difícil asseverar que ele deixará a atividade política quando passar o cargo a João Azevêdo no dia 31 de dezembro deste ano. Os adversários mais radicais reconhecem: “Ele é um fenômeno na política paraibana e nordestina”.
Nonato Guedes