Pulemos a primavera? O ano já acabou e em tempo de recomeços, do alto do trapézio voador, observatório instável sobre as coisas cá em baixo, mais do que se precipitar no vazio de 2020, opto por uma reflexão tardia sobre este tempo falhado, uma espécie de tentativa de escandir o passado. Sou otimista?
O certo seria arrancar o véu da utopia neo-liberal-brasil e as consequências desastrosas da desregulação do velho e novo capitalismo selvagem. Placas de aluga-se ou vende-se espalhadas por todo canto e casarões com portas e janelas lacradas por tijolos como estivesses diante um apocalipse, em que íamos, íamos e perdemos o prumo. E eis-nos então, agora, de pé enfrentando o arejamento do caos.
Ruas desertas no centro de João Pessoa, com cenas que irrompem nossas rotinas, trazendo à tona o tudo que é sólido, se desmancha no ar como antecipou Dr. Marx.
Muitos vão caminhando sem mapa, outros de GPS e em separado ou simultâneo, puros hiperativos voláteis, contempladores aleatórios, espectadores obscenos, que fazem cenas e arrastam o país (e o mundo, é claro), para algo descrito na literatura de Edgar Allan Poe no conto “A Queda da Casa Usher” de 1839, ou como diria Walter Benjamin, a ocasião de as coisas não continuarem como antes.
Daí, então essa imagem do espelho quebrado de Nascisos, na cara dos acontecimentos que persegue a incompletude, o falhado, a catástrofe “de as coisas continuarem como antes”, e mesmo assim, não faz sentido, nem corresponde a um modo de escandir algo novo ou alguma coisa fora da ordem, que possa revogar o tempo breve da novidade. Que novidade?
Dito de outro modo, poderá traduzir-se na pergunta: como aceitar estes acontecimentos quando se pode sempre esperar que o tempo traga outras possibilidades, outras ocasiões de não deixar as coisas continuarem como antes? Sim, as cidades sempre foram construídas para serem destruídas. As placas de alugam-se ou vendem-se já é uma indicação para isso.
Esse não é o balanço que importa, pois, nas ruas, no sinal fechado, nos restaurantes e nas camas, as pessoas estão preocupadas em mandar mensagens, áudios, “nudes”, um escarcéu de imagens que arejam ainda mais o caos que já podemos chamar de “aplicativo” das consequências dos acontecimentos políticos, dando, finalmente, como bem tentou Walter Benjamin na sua solidão irredutível, “o salto de tigre no céu livre da história”.
Esse viés não me engana.
Kubitschek Pinheiro é jornalista