Em mais um périplo pelo interior do Estado, que se estendeu até a cidade de Cajazeiras, senti que não se fala em outro assunto que não o rompimento entre o governador João Azevêdo e o ex-governador Ricardo Coutinho, ambos ainda dividindo, de forma desconfortável, o metro quadrado do Partido Socialista Brasileiro. Uma peculiaridade nas análises e especulações à distância acerca do quiproquó consiste em duvidar que seja mesmo para valer o divórcio entre os dois aliados da campanha eleitoral de 2018. O que se vocaliza, em segmentos médios da população, é que o apregoado rompimento passa a impressão de estratégia de marketing, supostamente combinada entre os dois brigões, para desorientar as oposições e pavimentar a candidatura de Ricardo como candidato a prefeito de João Pessoa no próximo ano.
Por trás dessa suposição, há um fato concreto: a forma inopinada com que se deu o afastamento entre João Azevêdo e Ricardo, os arautos da vitória em primeiro turno ao governo em 2018, passando pela conquista de uma vaga ao Senado, pela eleição de um deputado federal do PSB e pelo aumento expressivo da bancada na Assembleia Legislativa, numa proporção inimaginável nas condições de temperatura e pressão. Praticamente não houve tempo para a decantação das vitórias consagradoras. Logo estourou a Segunda Guerra Mundial entre os dois aliados-estrategistas que a quatro mãos, tocando de ouvido, pilotaram o Boeing governamental e jactaram-se em palanques de ter reinventado a Paraíba, num revisionismo histórico que surpreendeu até mesmo cientistas políticos da Universidade Federal.
Daí para cá, todo santo dia Ricardo e João escrevem um capítulo do rompimento consumado. Diga-se de passagem que não o tom de declarações em forma de acerto de contas entre os dois é cada vez mais elevado, caracterizando inegavelmente a atmosfera de radicalização que não perdoa, sobretudo, os pequenos, sem maior prestígio nem influência, mas que sempre dão um jeito de se meter no que os radialistas têm chamado de briga de cachorros grandes. O que está em jogo, na visão macro do desaguisado político, é o tour de force pelo controle do poder, que Ricardo empalmou por oito anos no governo do Estado e que não parece interessado em contar mais com Azevêdo como alter-ego. Pelo contrário, dá a entender que o seu sucessor caminha para uma guinada ideológica à direita, tornando-se refém de grupos que estariam até mesmo associados ao governo do presidente Jair Bolsonaro, o que o distanciaria do PT de Lula e de outras forças de esquerda que tentam se unir, debaixo de pau e pedra, para enfrentar os embates futuros, no plano nacional, seja lá com quem for.
A respeito do governador João Azevêdo, o que se pode dizer é que ele exibe em toda parte a carta de alforria do jugo de Ricardo Coutinho. Já deixou claro que não caiu de paraquedas no governo e na política; refrescou a memória do antecessor sobre os passos que empreendeu, de forma decisiva, para viabilizar o projeto socialista de poder na Paraíba como uma espécie de modelo ou referência nacional. Descarta a hipótese de cultivar sentimentos menores. Ainda ontem, numa emissora de rádio da Capital, Azevêdo lembrou que mesmo em meio à refrega com o antecessor, não olvida os seus feitos. E fez mais: manteve as rubricas ou os slogans de programas governamentais que foram gestados em oito anos de ricardismo no governo, o que demonstra que não lhe interessa apagar a história nem agir de forma personalista ou centrada na vaidade pessoal. Sou produto de um projeto coletivo, não individualista, obtemperou Azevêdo ontem à noite. Para bom entendedor, meia palavra basta.
Como repórter político, que serei até morrer, eventualmente colunista político, que é uma extensão do meu trabalho profissional, lamento informar aos céticos e desavisados ou desinformados que o arranca-rabo entre dois governadores na Paraíba não é jogada de marketing. É rompimento mesmo. João Azevêdo tem sido cada vez mais incisivo nas suas atitudes e nas respostas que julga necessário transmitir a Ricardo, quando nada para mostrar que ele não é o dono da verdade absoluta, ainda que insista em posar do Galo Chantecler, que achava que o sol somente nascia porque ele cantava. E, aproveitem para anotar: o governo de João está com uma penca de minas remanescentes da Era Ricardo para serem desativadas, da mesma forma como se encaminha para detonar ilhas comprometedoras, que passam por contenciosos em pastas estratégicas (alô, Detran), ainda na esteira das sessões (foram várias) de delação premiada de Livânia Farias, a ex-toda-poderosa secretária de Administração do reinado dos girassóis comandado por Ricardo. Não há retorno nesse rame-rame, para usar uma expressão popularizada pelo ex-governador Cássio Cunha Lima. Agora, como antes, a grande expectativa é saber quem fica com o PSB, se é que isso tem lá tanta importância…
Nonato Guedes