O Brasil, antes de Fernando Collor de Mello, jamais tivera um presidente tão jovem. Aos 40 anos de idade, governador de um Estado pequeno como Alagoas, ele se lançou candidato a presidente da República sem o apoio de nenhum grande partido. Foi candidato por uma sigla desconhecida, o Partido da Reconstrução Nacional (PRN), contra gente que há tempos estava na fila para subir a rampa do Planalto Leonel Brizola e Ulysses Guimarães, por exemplo. Derrotou a todos nas urnas. O triunfo indiscutível não prenunciava o naufrágio que o aguardava. Dois anos e meio depois de subir a rampa do Palácio do Planalto como o mais jovem presidente já eleito para o cargo, Fernando Collor fez a trilha inversa. A Câmara dos Deputados apontou-lhe o caminho da rua no dia 29 de setembro de 1992: por 441 votos a favor e 38 contra, os deputados votaram pela abertura de um processo de impeachment contra o presidente. O afastamento definitivo viria no dia 29 de dezembro de 1992, data em que o presidente, até então licenciado, renunciou ao cargo para escapar da punição que lhe seria aplicada pelo Senado. Não escapou.
Essa narrativa, jornalisticamente impecável, é feita por Geneton Moraes Neto, meu colega de reportagem do jornal O Estado de São Paulo, ele baseado na sucursal do Recife, e que nos deixou precocemente. Consta do livro Dossiê Brasília Os Segredos dos Presidentes, com o texto integral de entrevistas gravadas para o Fantástico, da Rede Globo, em que quatro ex-presidentes da República revelam cenas de bastidores do poder. Eu semeei ventos, colhi tempestades que me jogaram contra os rochedos Collor escreveria tempos depois de perder a presidência, ao rememorar o dia do naufrágio. A imagem dos rochedos relatava Geneton é a preferida por Collor para falar do desfecho dos tempos turbulentos que viveu no Palácio do Planalto. Se tivesse cumprido o mandato sem se enredar num novelo de denúncias, quem sabe, teria se tornado um desses condestáveis da República, que são sempre ouvidos com atenção reverente. Não foi o que aconteceu, como notou Geneton, com perspicácia. Depois de se chocar contra os rochedos, o ex-presidente acabou solenemente ignorado pela imprensa, pelos eleitores e pelos governantes. O presidente Lula convidou seus antecessores a voar para Roma a bordo do avião presidencial para os funerais do papa João Paulo II, em abril de 2005. Somente Collor ficou de fora da lista de convidados.
Collor, que chegou a ser chamado de Indiana Jones pelo presidente dos Estados Unidos, George Bush, tal como Barack Obama teria chamado Lula de o cara, e que cumpre mandato burocrático de senador, sem maior destaque ou repercussão, ressuscitou no noticiário com colocações pertinentes sobre o governo do presidente Jair Bolsonaro em entrevista à Folha de São Paulo. Numa dessas colocações, Collor sugere a Bolsonaro que, pelo amor de Deus, retire de pauta, na agenda internacional, pelo menos, as questões ideológicas a que seu governo dá tanta importância, ainda que não tenha uma linha de coerência mínima, sequer, nesse viés. O argumento de Collor, certamente fruto do aprendizado que o levou do céu ao inferno, tão jovem, é que a diplomacia internacional constitui uma torre de Babel e, nas questões ideológicas, procura dar ênfase à moderação, o que contrasta diametralmente com o tom belicoso e ignorante da gestão bolsonarista. Na questão da Amazônia, por exemplo, Collor lembra que chegou a ter um affaire com ninguém menos que François Miterrand, diante de uma declaração sua de que a Amazônia era relativamente brasileira. O ex-caçador de marajás reagiu à altura em defesa da soberania brasileira e não se falou mais nisso.
Outros pontos que o ex-presidente aborda na entrevista: os problemas que os filhos de Bolsonaro têm criado para o governo do pai, com intervenções descabidas em todo e qualquer assunto, ainda que não tenham o menor equipamento intelectual para se pronunciar sobre eles. O terceiro ponto que chama a atenção no depoimento de Collor: a sarabanda patética em que se constitui a relação do governo do capitão com o Congresso. No essencial, como observa, o governo não tem enfrentado grandes derrotas na Câmara e Senado. Mas, além da pauta estar sendo conduzida por Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, não propriamente pelo presidente, há uma indefinição crassa sobre quem é governo e quem é oposição nas duas Casas Legislativas. Na entrevista a Geneton, numa espécie de mea culpa, Collor havia dito que ninguém governa sem o Congresso. Foi uma das lições que aprendeu depois de ter sido lanhado com derrotas e, sobretudo, com o doloroso impeachment. A propósito, a Folha indagou a Collor: Teremos um novo impeachment no horizonte?. Traumatizado, ele descartou a hipótese. Mas preveniu: Caminhamos para seríssimos problemas. Que Deus reze forte pelo Brasil!
Nonato Guedes