Na formação da chapa do PMDB ao governo do Estado, nas eleições de 1994, ensaiou-se nos bastidores uma disputa acirrada entre o deputado federal José Maranhão e o deputado estadual Carlos Dunga pela vaga de vice do candidato Antônio Mariz, que se bateu nas urnas contra a deputada Lúcia Braga (PDT) e saiu do pleito com a taça nas mãos. A crônica política local identificava um confronto de bancadas a federal e a estadual. Dunga tinha a simpatia do grupo Cunha Lima, que colecionava divergência histórica com Maranhão. Este, parecia a caminho de encerrar a carreira política e teria cogitado, mesmo, não disputar mais a reeleição à Câmara. De repente, deu-se a guinada: trocou de mandato, voltou às praças e governou a Paraíba por três vezes. Chamei-o, em livro, de tríplice coroado.
Na verdade, a disputa pela vice no PMDB, naquela campanha, foi a batalha de Itararé, pois não houve confronto em convenção. A parada foi decidida com antecedência, em Brasília, pelo senador Antônio Mariz, numa conversa com jornalistas na casa de Humberto Lucena, o líder maior da agremiação, conhecido pela sua vocação conciliadora até a morte. Abordado por este repórter e pelos colegas Walter e Paulo Santos, Mariz abriu a caixa de segredos. Informou que não tinha nada, pessoal, contra Dunga, mas ponderava que ambos ele e Dunga, haviam militado na Arena, enquanto Maranhão fora cassado pelo regime militar por integrar a Frente Parlamentar Nacionalista e opor-se a medidas arbitrárias da ditadura. Para efeito de respaldo ideológico, Mariz preferia Maranhão, não obstante a condição deste de bem-sucedido agropecuarista na região do brejo paraibano. Com Dunga, os adversários iriam explorar a arenização da chapa, segundo expressão que Mariz usou.
De posse da revelação feita por Mariz, na tarde de um domingo, na Capital Federal, com a residência de Humberto fervilhando de políticos peemedebistas e jornalistas da Paraíba, dirigi-me ao hotel para alinhavar extratos da entrevista que seria publicada na edição de terça-feira no Correio da Paraíba. Ainda na recepção fui surpreendido pela presença de Dunga, que havia me seguido e que me pedia dois dedos de prosa no restaurante, alegando urgência de sua parte na conversa. Interessava-lhe saber um único ponto: quem era o preferido de Mariz para seu vice? Repassei-lhe em detalhes o diálogo que havíamos mantido com o candidato a governador.
– Sou muito grato pela informação, que vai salvar minha carreira política reagiu Dunga.
Explicou-me, então, que em face da notícia sobre a preferência de Mariz por Maranhão, iria para o hotel onde estava hospedado em BSB e de lá dispararia telefonemas para correligionários políticos seus na Paraíba, amarrando compromissos de voto com sua candidatura a deputado federal. Foi o que fez, e os fatos se sucederam dentro do enredo mais ou menos previsível. Mariz-Maranhão ganharam o pleito e Dunga elegeu-se à Câmara Federal, depois de ter sido presidente da Assembleia Legislativa. Político digno, homem de palavra, hoje Dunga atua como espectador dos acontecimentos políticos em Boqueirão e adjacências, focado mais na disputa local do que nas questões estaduais. Ele assinalou gestos de grandeza na sua trajetória e contribuiu para evitar um conflito de proporções inimagináveis no PMDB.
Mariz enfrentava sérios problemas de saúde, que culminaram com sua morte em 95 (governou por pouco tempo, ainda que tenha deixado marcas indeléveis, como o signo da Solidariedade). Maranhão tinha conhecimento dessas complicações e preparava-se para a eventualidade de assumir a titularidade do cargo. Nas vezes em que assumiu como interino o governo do Estado, nos momentos mais dramáticos vividos por Mariz, Maranhão foi se enfronhando, de algum modo, no conhecimento da máquina e dos problemas gerais da Paraíba, aliando novas informações e subsídios à experiência como político, empresário e administrador. Foi assim que se habilitou a manter a normalidade administrativa, dentro das condições de temperatura e pressão da época e pode-se dizer que surpreendeu positivamente os paraibanos. Outro aspecto facilitador dos passos de Maranhão foi a sua co-participação na engenharia política que moldou o governo Mariz. Quando assumiu o Planalto com a morte de Tancredo e tentou tocar a engenharia política, Sarney esbarrou na caixa-preta de compromissos que Tancredo, mineiramente, havia amarrado. Maranhão, se não soube tudo que Mariz engendrou nos bastidores, teve acesso, em grande parte, à geografia montada. Isto lhe permitiu, sem dúvidas, voar em céu de brigadeiro nas vezes em que foi governador, excetuadas, naturalmente, as fases de tempestade que se abatiam no horizonte e que, mesmo assim, Maranhão procurou contornar com perícia de piloto.
Nonato Guedes