Nas últimas semanas, ganhou destaque na mídia uma declaração do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), feita à TV Cultura da Bahia, de que há 45 anos não põe uma gota de álcool na boca. Em 2004, o então presidente da República tentou expulsar do Brasil o jornalista Larry Rohter, do New York Times, por causa de uma reportagem de sua autoria intitulada Gosto do dirigente brasileiro pela bebida torna-se preocupação nacional. Há pouco mais de um ano, Lula da Silva cumpre pena de prisão na Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba, no Paraná, arrolado em vários processos por acusações de lavagem de dinheiro e corrupção passiva. A defesa e os partidários de Lula têm esperança de que até outubro ele ganhe a liberdade definitiva, argumentando que há graves erros e distorções nos processos movidos contra o ex-presidente. O PT, por sua vez, tem sido orientado a apostar fichas exclusivamente numa provável candidatura de Lula, novamente, ao Planalto, desta feita em 2022.
A revelação de Lula de que é abstêmio há 45 anos causou surpresa e gerou ironias por parte dos adversários políticos dele e do PT. Em 2004, a expulsão de Larry Rohter foi sustada devido à pressão internacional, havendo versões de que teria sido feito um acordo de bastidores entre a direção do prestigioso jornal americano e o governo brasileiro para atenuar a intensidade das críticas ao líder petista. Rohter, na abertura do texto polêmico, afirmava que Lula nunca esconderaseu gosto por um copo de cerveja, uma dose de uísque, ou, até melhor, um trago de cachaça, a forte bebida brasileira feita de cana-de-açúcar. Mas alguns dos seus compatriotas começaram a especular se a predileção por bebidas fortes estaria afetando seu desempenho no cargo. Foi esse ponto que irritou Lula profundamente e o fez cogitar gestões para punir o correspondente americano.
E prosseguia Rohter: Embora, entre políticos ejornalistas, sejam cada vez mais frequentes os comentários sobre o consumo de álcool de Lula, poucos se dispõem a expressar suas apreensões em público ou explicitamente. Uma das exceções é Leonel Brizola, líder do Partido Democrático Trabalhista, de esquerda, que foi companheiro de chapa de Lula na eleição de 1998 mas agora se preocupa e acha que o presidente está destruindo os neurônios em seu cérebro. Em recente discurso, disse Brizola, agora um crítico do governo: Quando fui candidato a vice-presidente na chapa de Lula, ele bebia muito. Alertei-o para operigo das bebidas destiladas. Mas ele não prestou atenção e, conforme eu disse, continua bebendo. Em outra entrevista, no Rio, Brizola se estendeu um pouco mais sobre as preocupações manifestadas e às quais, segundo ele, Lula não deu atenção. Eu lhe disse: Lula, sou seu amigo e companheiro. Você precisa dar um jeito nisso e controlar essa coisa.
– Não, não tem perigo, já está sob controle teria sido a resposta de Lula, segundo contou Brizola, já falecido. E Brizola adiantou: Ele resistiu, é resistente. Mas tinha esse problema. Se eu bebesse como ele, estaria frito. Porta-vozes de Lula, entrevistados na época, se recusaram a discutir ontherecords os hábitos do presidente em matéria de bebida, dizendo não querer, com uma resposta formal,dar respaldo a acusações sem base. Eles alegaram que por trás das informações havia uma mistura de preconceito, desinformação e má-fé. Larry Rohter publicava, ainda: Sempre que possível, a imprensa brasileira divulga fotos do presidente com olhos turvos ou rosto avermelhado e, constantemente, faz referência aos churrascos de fim de semana na residência presidencial, em que a bebida alcoólica corre livremente, e aos eventos oficiais em que Lula nunca parece estar sem um drinque na mão.
O colunista Diogo Mainardi, que escrevia na revista Veja, chegou a pontuar: Tenho um pequeno conselho para Lula. Pare de beber em público. Mainardi disse, ainda, que o presidente da República havia se tornado o maior porta-voz e anunciante da indústria de bebidas, com seu aberto e público consumo de álcool. Rother informava que, historicamente, os brasileiros tinham razão de ficar preocupados com qualquer sinal de que seus presidentes bebem muito. Jânio Quadros, eleito em 1960, era um notório bebedor que certa vez alardeou: Bebo porque é líquido. Sua renúncia inesperada, após menos de um ano no cargo, durante o que foi descrito como uma tremenda bebedeira, iniciou um período de instabilidade que levou a um golpe em 1964 e a vinte anos de severa ditadura militar. A reportagem do New York Times concluía dizendo: Sob Lula, a caipirinha virou bebida nacional por decreto presidencial, publicou o jornal Folha de S. Paulo em uma reportagem sobre a associação de Lula com álcool e referindo-se a um coquetel feito com cachaça. Hoje, Lula garante abstinência total, e Rohter recentemente lançou um livro sobre…o marechal Cândido Rondon, primeiro explorador brasileiro na etnografia mundial.
Nonato Guedes