Ícone da dramaturgia nacional, aa atriz Fernanda Montenegro, com quase 90 anos e um livro de memórias recém-lançado, aborda com franqueza as dificuldades do envelhecimento e reflete com preocupação sobre o descaso com o qual a cultura vem sendo tratada no Brasil. Num depoimento à revista Veja, Fernanda Montenegro analisa que é trágica a situação da cultura no atual governo do presidente Jair Bolsonaro. E compara: É como se a arte tivesse virado um processo pornográfico, contaminado peela perversão. Tudo é pecado, a não ser que se faça algo relativo a Cristo ou ao Antigo Testamento. O problema é que, sem cultura, um país fica sem personalidade.
Prossegue Fernanda: A censura já voltou, só não está sedimentada. Ainda. Minha geração passou por isso e nunca poderia imaginar que, a esta altura da vida, voltaria a ter essa sensação de cerceamento existencial. Mas há algo de positivo aí: a resistência. Estamos gritando, nos posicionando. Vamos sobreviver. A principal lição que Fernanda Montenegro extrai da sua história: sobreviver diante de qualquer situação, sem se acovardar. E emenda: Precisamos lutar pelos nossos ideais. É claro que isso pode causar sofrimento, mas nada é eterno. Nem o melhor nem o pior. Cada dia com sua agonia.
Indagada por Fernanda Thedim sobre qual é a pior parte de envelhecer, Fernanda Montenegro respondeu: Ver a que ponto chegou a nossa política. Eu sou dos anos 30,40,50,60,70,80,90…Nas muitas décadas da minha vida sempre havia uma esperança em cima do próximo momento, de determinados políticos, de alguma ideologia que nos faria ir em frente, otimistas. Isso acabou. Estamos em um mato sem cachorro. Fernanda acredita que a decomposição política no Brasil se deu a partir da liberação do instituto da reeleição para presidente da República.
E justifica: O presidente já assume o poder pensando na reeleição. Os governantes trabalham pelo próximo mandato, estatizando a corrupção e acabando com as ideologias. A direita não é mais direita, a esquerda não é mais esquerda. Perguntada o que diria ao presidente Bolsonaro caso encontrasse com ele, Fernanda respondeu: De dia, diria bom-dia. De noite, boa-noite. E qual o conselho para os novatos? Se não tiverem muita certeza, desistam. Essa profissão é difícil. Fernanda Montenegro, enfim, diz que não convive bem com a tecnologia e admite que a ideia da morte a assusta. Ela é inevitável, eu sei, mas também é apavorante. É sair do mundo conhecido, onde aprendemos a sobreviver, sem saber o que tem do outro lado. Pode ser que lá esteja pior do que aqui.