Vozes dolentes emanam de artistas e intelectuais de prestígio no Brasil, desesperançados com a situação deste imenso país. A cantora Elza Soares queixa-se que já não temos mais aquela nação acolhedora. O paraibano Chico César propõe que se faça revolução nos mínimos gestos, como o de beijar. Fernanda Montenegro, a grande dama, reclama da falta de personalidade neste território. Milton Nascimento, o adorável mineiro remanescente do Clube da Esquina, vai na jugular sem meios-termos: A cultura está uma merda!. O apresentador Fausto Silva, o Faustão, aquele da voz tonitruante, ensurdecedora, brada todo santo domingo no seu programa: A situação está insuportável. Caetano Veloso, Chico Buarque, Daniela Mercury, Elba Ramalho, Bruna Lombardi…é imensa a fila dos descontentes, que driblam a vontade ou a sensação de fugir, bater em retirada, dar um tempo, como fizeram o Jean Willys e tantos outros.
O que ainda motiva a permanência no Brasil é a vontade de resistir, o desejo de lutar por um país melhor, para as brasileiras e os brasileiros. Estamos quase todos tristes porque nunca antes na história desta Pátria amada tudo é tão proibido como agora. A liberdade de expressão é atacada, a tolerância é suprimida, a convivência é conflitante, as relações interpessoais tornaram-se agressivas. Deve-se muito disso ao radicalismo da última eleição presidencial em 2018, em que pela primeira vez, de forma ostensiva, a direita mostrou sua cara sem um pingo de vergonha, escancarou seus preconceitos, deu vazão a instintos primitivos, tenta impor, na marra, ideologia de gênero, lota o país de retrocessos nos costumes, nas artes, na política. Por questão de justiça, diga-se que setores ou expoentes da esquerda não colaboram para a atmosfera de distensão; pelo contrário, estimulam o contraponto no mesmo nível de radicalização. Não há espaço, em conjunturas assim, para soluções conciliatórias.
Não era isso e nem é isso a que o Brasil aspira, depois de ter passado pelas agruras e infortúnios da ditadura militar instaurada em 1964. Quando o PT foi apeado do poder, imerso nas suas próprias e agudas contradições, que feriram de morte um dos seus dogmas prediletos a ética, houve quem apostasse que o terreno estaria livre para a montagem de um pacto centrado na convivência democrática e na cruzada em favor de avanços. Ao invés disso, fomos apresentados ao atraso em dimensões superlativas, entremeado de sentimentos de ódio e de ambições pelo poder que extrapolam o senso comum e insultam a inteligência alheia. Mais: os alegados vencedores não desarmaram o palanque. Continuaram perfilados, batendo continência entre si e tentando empurrar leis e éditos que não têm a menor afinidade com as demandas exigidas pelo amadurecimento da consciência crítica nacional.
O governo do presidente Jair Bolsonaro elegeu como preceito máximo a vendeta, ou seja, a represália aos que não votaram no capitão reformado e muito menos endossam ideias arcaicas que não resistem a qualquer apreciação sensata ou mediana. O desmonte da Cultura, a pretexto de punir artistas e intelectuais que, por natureza, são indóceis, rebeldes e fermentam a criatividade no horizonte, é uma das pontas cardeais da nova Ordem, embasada, ainda, no culto a símbolos cívicos e nacionalistas ultrapassados, encampando bandeiras que são apenas retóricas porque, na prática, esse governo que está aí ajoelha-se ao império dos Estados Unidos por um prato de lentilhas a nomeação de um filho do capitão, especialista em fritar hambúrguer, para a embaixada do Brasil no Tio Sam. A Educação é um pandemônio, as verbas para ongs foram simplesmente retiradas, as escolhas para postos estratégicos de decisão não obedecem à meritocracia, mas à mediocridade embutida no compadrio.
Não há definição quanto a plano de governo do presidente Bolsonaro e sua equipe. Não houve, durante a campanha, quando o candidato fugiu a debates, nem está havendo nestes primeiros meses de gestão no Palácio do Planalto. Tudo é feito de forma atabalhoada, e o governo do capitão é contumaz em desdizer palavras e informações num mesmo dia, o que mostra o grau de despreparo para tocar o barco das reformas clamadas em manifestações de rua, nas célebres jornadas de que não escaparam gestões petistas como as de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. O governo parou o país para ver aprovadas as reformas tributária e da Previdência. Tudo isto significa um ano praticamente perdido, que se somará ao ano das eleições municipais em 2020. Falta democracia, falta feijão, falta governo. Sobram aberrações, que tanto ferem a sensibilidade de artistas, intelectuais e do próprio povo. Só mesmo Jesus na causa!
Nonato Guedes