Aos 79 anos, o ex-senador Marco Antônio de Oliveira Maciel, que foi, também, governador de Pernambuco, vice-presidente da República e presidente da Câmara Federal, enfrenta uma doença degenerativa – o Mal de Alzheimer, que o impede de ter contato consciente com o mundo exterior e, em paralelo, o esquecimento ou ostracismo político. Não obstante ter sido um dos mais proeminentes políticos liberais da história brasileira, Marco Maciel vive sua sina trágica no Recife, olvidado por antigos companheiros de jornada. O diagnóstico sobre o Alzheimer chegou em 2001, com toda a carga de preconceitos que encerra. Está sob os cuidados e a atenção de Ana Maria Maciel, 78 anos, com quem casou.
Confundido com um expoente da ditadura militar, por ter militado na Arena, depois no PDS, e ter sido gestor biônico nomeado por cúpulas militares, Marco Maciel sempre foi dono de sólida formação política liberal. Sua marca registrada sempre foi a da conciliação – operava freneticamente, nos bastidores, para a restauração do Estado de Direito. Suportou, humilhado, no governo Geisel, como presidente da Câmara, o fechamento temporário da Câmara dos Deputados, uma manobra do regime para demonstrar força e aprovar, por imposição, o pacote da reforma do Judiciário. O jornalista Ângelo Castelo Branco, com atuação em Pernambuco, decidiu homenageá-lo com um livro biográfico intitulado “Um artífice do entendimento”, que Marco Maciel não pôde ler. Na obra, revela como Marco Maciel, que, pelo tipo esguio era conhecido em rodas informais como “mapa do Chile”, foi decisivo em momentos de impasse institucional com vistas a não permitir o totalitarismo, estágio mais agudo do autoritarismo que se instaurou em 64, marcado por cassações de mandatos, extinção de partidos, censura à imprensa e aos meios artísticos e intelectuais, prisões ilegais, exílio de líderes como Juscelino Kubitscheck, João Goulart e Miguel Arraes.
Marco Maciel foi parceiro de figuras como Petrônio Portella e Aureliano Chaves na costura de soluções para a normalidade democrática. Perdeu inúmeras batalhas infligidas pelo próprio regime, mas não há registro de qualquer discurso seu ou de qualquer entrevista preconizando a legitimidade do estado de exceção que foi implantado, com a derrogação de prerrogativas intrínsecas ao pleno Estado de Direito. Se não chegou a participar de manifestações de rua clamando por liberdade e denunciando a ditadura, uniu-se aos liberais remanescentes que buscavam soluções “por cima”, junto ao núcleo de poder, como estratégia para neutralizar a chamada linha-dura ou os adeptos do radicalismo ideológico que imperou durante 21 anos. Admirado pela sua inteligência, forjada nos bancos das faculdades de Direito, e pelo espírito conciliatório, Marco Maciel foi vice de Fernando Henrique Cardoso, integrou o núcleo fundador do PFL, corolário do embrião da Aliança Democrática que uniu Tancredo Neves a José Sarney, Antônio Carlos Magalhães e Aureliano Chaves no esforço pela reconquista da democracia.
Marco Maciel chegou a se “lançar” candidato a presidente da República algumas vezes, ainda que por via indireta, concorrendo no colégio eleitoral como o fez Paulo Maluf em 1985 enfrentando Tancredo Neves, por quem foi derrotado. Nos meios políticos, conquanto fosse associado, de algum modo, à ditadura militar, Marco Maciel nunca foi listado entre os signatários do arbítrio. Fazia parte ou era identificado com a porção moderada que gastava fosfato em saídas políticas para um impasse que foi se tornando meramente institucional, passada a dura temporada de caça às bruxas e perseguições de toda ordem. Não logrou êxito nas tentativas pelo desideratum de tornar-se presidente da República, o que reforça as versões de que ele era um estranho no ninho junto às facções radicais que rondavam quartéis apostando no fechamento político. Foi uma época em que o general João Batista Figueiredo, o último do rodízio de militares no poder, chegou a ameaçar “prender e arrebentar” quem fosse contrário à democracia. Figueiredo, filho de exilado político da Revolução Constitucionalista de 1932 em São Paulo, também perdeu batalhas – e guerras, para a comunidade de informações que ajudara a montar e que se encastelava no SNI. A hora era dos brucutus. Não havia espaço para “artífices do entendimento”, para recorrer-se à expressão de Ângelo Castelo Branco. Hoje, Marco Maciel purga as mazelas do Alzheimer e as dores do mais absoluto isolamento que se tem notícia de um político de expressão no Brasil. A História é implacável – ou os homens que fazem a História são implacáveis?
Nonato Guedes, com agências
amigo velho nonato: esta é a sina inevitável do tempo, senhor de tudo. abracos.