Não houve, necessariamente, surpresa com o tom do discurso do presidente Jair Bolsonaro perante a Assembleia Geral das Nações Unidas. Ele reafirmou o tom belicoso que tem se constituído em pauta e em marca dominante da sua gestão, arrimado na agressividade, em palavras de ordem que dão a impressão de fuga da realidade do confronto. É evidente que, de antemão, Bolsonaro sabia que iria deparar-se com um ambiente hostil. Ele conhece melhor do que ninguém as besteiras que seu governo vem fazendo, da mesma forma como não ignora a ausência de avanços, já que a característica do foco é o investimento no atraso, no retrocesso, da diluição de conquistas que lá atrás a sociedade havia incorporado depois de muita luta, enfrentando, inclusive, a ditadura militar, com seus rasgos de autoritarismo e seus excessos assaz conhecidos e repudiados.
Num ponto há que se fazer justiça ao capitão reformado: ele falou para o seu público interno, não para a população brasileira, muito menos para a comunidade internacional. Para esta última, sobraram os apelos nacionalistas, como quando o presidente deixou claro que a Amazônia é patrimônio brasileiro, embora se saiba que é um patrimônio compartilhado por outras nações que fazem parte da sua bacia e espalham olhares lânguidos de cupidez em cima de riquezas como, por exemplo, o nióbio, que tem altíssima cotação no mercado internacional. O discurso de Bolsonaro é aceitável, até certo ponto, quando insinua a defesa do princípio da autodeterminação dos povos. Ou seja: da capacidade que cada povo tem de decidir sobre seu próprio destino, para o bem ou para o mal. Isso não elide cooperação, intercâmbio, até mesmo compartilhamento de gestão de políticas ou de riquezas, mas tendo como ponto de partida o dogma da soberania, a respeito do qual os Estados Unidos, por exemplo, como também a França, são bastante ciosos e não fazem concessões.
Agora, como antes, ou desde quando assumiu o governo, o problema crucial de Bolsonaro continua sendo a falta de propostas que possam sensibilizar outros países e levá-los a enxergar o Brasil com o respeito que este território merece. Ontem, em Nova Iorque, Bolsonaro deblaterou contra os “invasores”, a mídia, “os oportunistas de plantão”. Mas não disse claramente, objetivamente, o que o seu governo pretende em relação a políticas públicas para a Amazônia. É esse vácuo de soluções, em contrapartida a críticas ou questionamentos, que torna a gestão Bolsonaro extremamente antipática lá fora. Até porque o presidente empresta às suas intervenções, ou às suas palavras, o verniz da bravata, denotando vulnerabilidade e insegurança para debater frente à frente com outras potências as questões que as envolvem porque, afinal de contas, o mundo está globalizado há muito tempo e não surtem mais efeito os projetos isolacionistas a pretexto de exibir patriotismo.
A insistência de Bolsonaro em abordar todas e quaisquer pendências sob o viés ideológico dificulta o diálogo ou o entendimento com outras nações. Os “olavistas” que infestam o governo do capitão esqueceram de dizer-lhe – talvez por desinformação – que a multilateralidade que se observa no cenário internacional, nesta conjuntura, é a moeda corrente, porque além de facilitar a convivência por meio da tolerância abre portas para parcerias extremamente vantajosas, dependendo da habilidade de negociadores que forem escalados para tal mister. Em matéria de política externa, o governo de Bolsonaro é um zero à esquerda. Nem tem, vale repetir, equipamento intelectual indispensável para avaliar a correlação de forças tomando por escopo as mutações que se processam com velocidade impressionante.
O que o Brasil menos precisa, no concerto das Nações, com toda a sinceridade, é o recurso à arrogância, ou à truculência, ou à falta absoluta de diplomacia. Esse desconhecimento da realidade contemporânea é que contribui para pôr o governo Bolsonaro, volta e meia, em saias-justas, ou curto-circuitos nas relações internacionais. Parece que há um desprezo soberano da gestão do capitão pela diplomacia que emana dos círculos do Itamaraty, onde, aliás, profissionais de carreira, especializados na arte de dissipar mal-entendidos e de promover acordos, são preteridos por filhinhos de papai do presidente especializados em fritar hambúrguer. Com essa diplomacia de fancaria o País não vai longe, seguramente. Pior: arrisca-se a frequentar, durante bom tempo, o anedotário que alimenta as intrigas das rodas diplomáticas, espalhando-as por embaixadas, governos e consulados. Defender a soberania é uma coisa. Arrotar superioridade é outra. Mas há pior: não há nenhum sinal de que venha a se alterar esse estilo agressivo que o presidente pratica e incentiva. Péssimo para o Brasil, claro!
Nonato Guedes