Linaldo Guedes
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Há um ditado que diz que quem desdenha, quer comprar. Outro, afirma que quem disso usa, disso cuida. Ambos se encaixam perfeitamente nas ações de alguns ministros e auxiliares do governo Jair Bolsonaro. Aliás, se encaixa no comportamento do próprio presidente, vide discurso na ONU. Um governo que foi eleito respaldado por um certo desencanto com o PT e com uma pauta de ataques gratuitos que tinha como base o preconceito intrínseco existente na parcela mais conservadora do pais.
Assim, elegeu-se um governo que atacava o aparelhamento do Estado na formação ideológica de seus cidadãos. Ora, não é isso que faz, por exemplo, o diretor do Centro de Artes Cênicas (Ceacen) da Fundação Nacional de Artes (Funarte), Roberto Alvim, ao atacar de forma grosseira e estúpida a atriz Fernanda Montenegro? Incomodado com uma performance da artista representando uma bruxa, com livros prestes a serem queimados, como na Inquisição, Alvim partiu para o ataque sem medir as consequências de seus atos e sem se preocupar de representar uma instituição importante para a cultura brasileira. Para ele, Fernanda Montenegro é “sórdida” e “mentirosa”. E se nega a dialogar com a classe artística, com a qual ele diz travar “uma guerra irrevogável”.
De que guerra o Alvim fala? A guerra ideológica? Ora, ora, Fernanda é “apenas” uma atriz. Não ocupa cargo público, não tem a preocupação de doutrinar ninguém, a não ser de exercer sua arte com o talento que Deus lhe deu. Não foi ela a pedir, como representante de uma instituição pública, a todos os atores, diretores de teatro, dramaturgos, professores de artes cênicas, cenógrafos, figurinistas, iluminadores e sonoplastas, que se alinham aos valores (sic) conservadores no campo da arte do teatro que lhe enviem e-mail com seus currículos para montagem de um banco de dados de artistas de teatro conservador (sic) para aproveitamento em uma série de projetos.
Alvim talvez não saiba, não parece ter estofo para isso, que a arte por si só é transgressora. Não existe arte conservadora. Mesmo quando ela surge como oposição a algum movimento de vanguarda, a arte nunca será conservadora. Se existe criação artística, existe transgressão. Se a arte é boa ou ruim, ai são outros quinhentos. A arte de Fernando Montenegro não é boa. É excepcional! A de Alvim, ninguém sabe e nem quer ver.
Alvim foi sórdido e pequeno. Agiu como o torcedor de um time de futebol ao ser trolado pelos torcedores da equipe adversária. E tudo que o Brasil não precisa neste momento é de tratar a política, a classe artística, a sociedade de uma forma geral, como se estivesse na antiga Geral do Maracanã. Fernando Montenegro é nossa maior atriz, nossa maior referência no teatro, não merece ser tratada com a estupidez dos que não nasceram com talento. Que se questione eventuais críticas ao governo, quem está dentro do governo e seus seguidores. Mas que se tenha respeito às instituições. E, principalmente, que se tenha respeito ao talento de nossos artistas. O comportamento de Alvim só faz reforçar as críticas de quem vê no governo Bolsonaro um poço de mediocridade.
A reação de Alvim à comparação de Fernanda Montenegro do que estamos vivendo hoje aos tempos da inquisição, foi, sim, uma atitude inquisitorial, como na velha história do quem disso usa, disso cuida. Está vendo como a arte é transgressora?
Linaldo Guedes é poeta, jornalista e editor. Com 11 livros publicados e textos em mais de trinta obras nos mais diversos gêneros, é membro da Academia Cajazeirense de Artes e Letras (Acal) e editor na Arribaçã Editora. Reside em Cajazeiras, Alto Sertão da Paraíba, e nasceu em 1968.