O paraibano Fábio George Cruz da Nóbrega, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, considera preocupante a situação jurídica do país no que diz respeito ao combate à corrupção, que a seu ver está sendo enfraquecido devido a medidas tomadas nos últimos dias. Somente esta semana os procuradores da República que compõem o MPF sofreram duas derrotas em Brasília: a aprovação do nome do novo procurador-geral da República, Augusto Aras, e a derrubada de vetos presidenciais à lei de abuso de autoridade. “A nova lei constitui um enorme retrocesso no combate à corrupção e à criminalidade organizada”, expressou Fábio George.
Pela sua interpretação, da forma como foi aprovada, a lei tem potencial de deixar quem investiga com medo de investigar, quem acusa com receio de apresentar a sua acusação, quem julga com medo de decidir. A preocupação com Aras, que já tomou posse, vem do fato de o novo procurador ter sido uma escolha pessoal do presidente Jair Bolsonaro (PSL), fora da lista tríplice votada pela classe em todo o país. Quando o governo optou por Aras, a ANPR qualificou a escolha como o maior retrocesso democrático e institucional do Ministério Público Federal em 20 anos. Fábio George concedeu entrevista ao site UOL Notícias. Paraibano de João Pessoa e procurador regional da República no Recife, ele assumiu o comando da ANPR em maio para um mandato de dois anos.
Fábio George explicou que a lista tríplice existe para a escolha da chefia dos outros 29 Ministérios Públicos existentes no país. “Ela existe para a escolha de cargos importantes no próprio Poder Executivo, como os reitores das universidades. Foi adotada este ano pelo próprio presidente da República para a escolha do advogado-geral da União. No MPF, vinha sendo acolhida nos últimos 16 anos, o que levou ao fortalecimento da instituição. A lista tríplice reforça a independência do MPF pela indicação de três líderes da carreira para que o presidente possa escolher qualquer deles. Ademais, é fator defortalecimento da democracia interna e também da transparência externa, pois permite o escrutínio público sobre ideias e projetos daqueles que almejam exercer o cargo de procurador-geral da República, um dos mais importantes do país”, traduz ele, didaticamente.
Indagado sobre quais os riscos que a decisão do presidente traz para o trabalho dos procuradores e do Ministério Público Federal, Fábio George foi taxativo: “Sem o mecanismo da lista tríplice, sem transparência sobre o processo de escolha, sem debates públicos entre candidatos, a indicação do PGR pelo presidente se resumirá, sempre, a uma escolha pessoal a partir de conversas reservadas, o que, certamente, não é o melhor caminho quando se pensa na construção de instituições independentes”. Ele lembrou que o Ministério Público exerce muitas missões em defesa da sociedade, como a defesa do meio ambiente, dos consumidores, além de tutelar as liberdades, combater o crime organizado, a corrupção e promover a defesa das minorias. “A garantia de independência é fundamental na sua atuação para que a sociedade não fique tolhida por via reflexa na defesa dos seus direitos”, argumentou.
O presidente da ANPR admite que a instituição pretende reivindicar uma mudança legislativa para impedir outras escolhas fora da lista tríplice no futuro. “Isso é fundamental. É preciso que, no futuro, essa situação seja corrigida e que tenhamos, também, no MPF, como ocorre já nos outros 29 MPs do país, esse processo de lista tríplice devidamente regulamentado”, insiste. Sobre a lei de abuso de autoridade, Fábio George pontua que é muita aberta a definição sobre crimes, “muito vaga, subjetiva, o que coloca em risco a atuação de juízes, promotores, procuradores, delegados, policiais e auditores, trazendo um clima de insegurança jurídica que atrapalhará, sobremaneira, não tenho dúvidas, os esforços que vêm se desenvolvendo no país nos últimos anos”. Haverá, na sua visão, um clima de inibição e amedrontamento “em relação ao cumprimento das nossas missões”. E finaliza:
– O que sempre foi objeto de discussão judicial, com possibilidade de interpretações diferentes, sujeitas, inclusive, à conformação dentro do próprio sistema de Justiça através de interposição dos mais variados recursos, passará a configurar crime. Isso não é razoável, não é adequado.
Nonato Guedes