Nestes tempos de intolerância política e de exacerbação do Judiciário, criando uma atmosfera de instabilidade no tecido democrático brasileiro e tornando letra morta um conjunto de princípios consagrados universalmente, cabe lembrar o discurso proferido pelo ex-ministro José Américo de Almeida, quando senador da República, na década de 40, manifestando-se a favor da manutenção do registro do Partido Comunista do Brasil e pela garantia dos respectivos mandatos dos parlamentares que haviam sido eleitos pela legenda, entre eles o escritor e deputado federal Jorge Amado, o pernambucano e deputado federal Gregório Bezerra e o deputado estadual da Paraíba João Santa Cruz de Oliveira. Anticomunista declarado, mas forjado nos embates democráticos, José Américo deu ao discurso o título de “A cadeira vazia” – e ele entrou para a História como um monumento às liberdades públicas.
A imagem literária da cadeira vazia referia-se, na verdade, à cassação do mandato de Luís Carlos Prestes, o grande expoente do Partido Comunista, que fora eleito senador num interregno de democracia subsequente à ditadura do Estado Novo patrocinada por Getúlio Vargas e seus sicários. Textualmente, e à certa altura do seu libelo, o senador José Américo assim se manifestou, sem titubeios: “Temos que reconhecer que sua ação parlamentar (a do senador Luís Carlos Prestes) tem sido nula. Diga-se a verdade: não constrói nem perturba. Aqui se senta o senador Carlos Prestes, burguesmente, em sua cadeira, como um simples mortal, como nós outros. Tem sido lutador fanático e tenaz, sem ser anjo nem demônio, sem impressionar pela aparência mística nem pela catadura do seu credo, gastando-se, dia adia, num ambiente que não é seu, isolado e impotente. Mas no momento em que se torna invisível, nos seus desaparecimentos periódicos, sua cadeira vazia começa a assustar. E se chegar a ficar para sempre deserta, parecerá aos nossos próprios olhos ocupada por uma sombra”.
O Tribunal Superior Eleitoral, numa sessão que foi realizada no dia 07 de maio de 1947, cancelou o registro do Partido Comunista do Brasil, através da Resolução número 1.841, cuja promulgação ficou assim redigida: “O Tribunal Superior Eleitoral, por maioria de votos, resolve determinar o cancelamento do registro do Partido Comunista do Brasil. Assim decide atendendo aos motivos expostos nos três votos vencedores que ficam fazendo parte integrante desta decisão. Registre-se, publique-se e comunique-se. Sala das Sessões do Tribunal Superior Eleitoral. Rio de Janeiro, em 7 de maio de 1947 – Antônio Carlos Lafayette de Andrada, presidente. J.A. Nogueira, relator designado. Álvaro Moutinho Ribeiro da Costa, vencido nos termos da declaração de voto anexa adiante. Cândido Lobo – Rocha Lagoa – F. Sá Filho, vencido nos termos do voto junto. Fui presente. – Alceu Barbêdo – Proc. – ad-hoc”. Depois, de conformidade com a Lei número 211, de 1948, os eleitos pelo Partido Comunista do Brasil perderam os seus mandatos.
O Partido Comunista do Brasil tornou-se vítima de caça às bruxas, estimulada por sentimentos autoritários latentes em segmentos de peso da sociedade brasileira. Foi execrado como uma ameaça terrível à paz da sociedade brasileira – na verdade, aos privilégios dos representantes das classes dominantes, lideradas, como sempre, pelo poder econômico, que não queriam perder esses privilégios e acreditavam que eles ficariam intocados por via da supressão de figuras consideradas nefastas ou nocivas às instituições democráticas. Dizia-se que os comunistas valiam-se da democracia para destruí-la e, em seu lugar, implantarem o totalitarismo. Mais tarde, insinuaram até que comunista comia criancinha, numa retórica nojenta que visava a espalhar o terror moderno como estratégia de manutenção dos privilégios saqueados.
A postura do ministro José Américo de Almeida diante da paranoia anticomunista que prosperava de forma calculada em certa fase da vida política-institucional brasileira reveste-se de grandeza e exemplaridade por simbolizar o preparo do paraibano ilustre para a convivência com os contrários. Não poderia ser diferente, conhecendo-se, como se conhecia, a visão humanista e liberal de José Américo, que teve a coragem de dar o grito que acabou com a censura do Estado Novo, ao conceder a célebre entrevista a Carlos Lacerda. Era uma conjuntura em que havia homens públicos de escol, que tinham palavra e tinham compromisso com o interesse público, diferentemente dos protagonistas de outras épocas que fizeram da atividade política a arte de roubar, num escárnio ao eleitor e numa falta de absoluto decoro. José Américo pelejava por ideias – mas isso é muito raro, até entre expoentes de esquerdado sombrio cenário brasileiro.
Nonato Guedes