É raro um presidiário estar às portas da liberdade – ainda que condicional ou domiciliar – e bater a porta, renegar o benefício. Não, não é nenhum exercício de ficção. Isto vem acontecendo com um personagem bastante conhecido da política brasileira: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que cumpre pena em sala especial na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. Na iminência de trocar a PF pela prisão domiciliar, por já ter cumprido um sexto da pena, segundo os cálculos de membros da Justiça que avançam e recuam nas suas formulações e sentenças, Lula dá de ombros, avisa que não quer “esmola”. Foi textual: “Só saio da prisão com 100% de inocência”. A namorada Rosângela Silva, funcionária da Itaipu binacional, e conhecida entre os íntimos como “Janja”, fez coro: “Lula está certo. A Justiça tem que dar o atestado de sua absolvição diante das acusações inventadas contra ele”.
Lula da Silva está preso, com regalias, há pouco mais de um ano, sob acusação de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O que está por trás da atual pirotecnia dele, dos advogados e da namorada, sem falar na legião de lulopetistas que ecoa nas ruas o tom das ordens emanadas de Curitiba, entre um exercício físico e outro a que o ex-presidente se permite, logo ao raiar do dia, é uma engenhosa estratégia para desmoralizar magistrados e agentes da Lava-Jato, policiais, o presidente Jair Bolsonaro e, principalmente, o grande alvo de Lula (sim, ele é humano e tem seus ódios no coração): o ex-juiz Sergio Moro, que o condenou à prisão e, como recompensa, segundo dizem, ganhou o ministério da Justiça de Bolsonaro, com a vaga promessa (cada vez mais vaga) de vir a ser ministro do Supremo Tribunal Federal.
Desde que foi preso em condições especiais – organizou uma resistência no sindicato de metalúrgicos de São Bernardo do Campo em São Paulo – e só se entregou na hora que quis, depois de inventar uma missa pela memória da mulher, Marisa, que foi transformada, como se suspeitava, em evento de agitação e promoção política, Lula da Silva deixou claro que não seria um presidiário comum e que iria dar trabalho, muito trabalho, a autoridades, ao mesmo tempo em que mantinha o país sob respiração presa a cada lance de suspense, quando se dizia “vai ser solto…” e em fração de segundos pipocavam comemorações em redes sociais. Lula – que nunca foi bobo – procurou tirar proveito ao máximo da cela com mordomia em Curitiba (como se sabe, ele é mantido longe de presos comuns, porque, afinal, é o mito, ainda que ultimamente venha cansando e se transformando num ídolo com pés de barro). O ex-presidente, que foi preso por desvio ético, quer sair pela porta da moral, se possível com metade do país em posição genuflexa implorando-lhe perdão por tê-lo feito passar essa temporada em Curitiba, convivendo entre pen-drives que lhe permitem assistir vídeos e filmes exclusivos, capítulos de jogos de futebol que ele adora, além, possivelmente, de devorar livros e conceder a maior quantidade de entrevistas a jornais e órgãos de imprensa do Brasil e do mundo que um presidiário já concedeu.
Lula ainda dispõe do privilégio de receber comitivas de ex-estadistas, de representantes de ongs, de entidades formadas às pressas para defender direitos humanos e dispõe de uma rede de defensores nas mídias sociais encarregados de apresentá-lo como “santo”, paladino da ética e da moralidade e vítima da maior injustiça nunca antes praticada contra um homem público na história deste país. Despacha, é claro, regularmente com advogados, ex-ministros, recebe políticos, transmite coordenadas, age como o estrategista. Nenhum constrangimento absurdo – exceto a privação de liberdade. Mas quando se vai amplificar o “Lula Livre Já”, ele expede as ordens direto de Curitiba, manda cessar tudo porque a estratégia é outra: “Lula 100% Livre”.
“Lula 100% Livre” equivale a anular todos os processos que foram instaurados contra Lula, talvez desde os tempos do mensalão, em que ministros do Supremo Tribunal Federal, num primeiro momento, chegaram a chamá-lo de chefe de organização montada para assaltar os cofres públicos (está nos livros, quem quiser pode conferir). “Lula 100% Livre” significa anular as condenações imputadas ao ex-gestor desde o caso do tríplex do Guarujá e do sítio de Atibaia. Porque Lula não sabia de nada, era inocente de tudo. “Lula 100% Livre” significa, enfim, liberá-lo para ser candidato a presidente da República. Se for possível, declará-lo eleito por antecipação – como um ressarcimento de perdas e danos por não ter podido ser candidato a presidente em 2018 devido ao fato de estar preso. Para Lula, tudo. De novo. Este é o Brasil!
Nonato Guedes