Esqueçam aquelas manifestações de rua pró “Lula Livre” – elas já estão defasadas. Na iminência de ter sua liberdade decretada pelo Supremo Tribunal Federal, sob condições restritivas, como está no texto da Lei, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que parecia rouco de tanto gritar pela sua soltura da sala especial da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, recusa a liberdade nos termos em que lhe é oferecida e que implicaria em prisão domiciliar ou em concessão para trabalhar durante o dia e se apresentar à noite na sala cinco estrelas da PF. Lula bateu o pé e disse que só deixa a sala “vip” desde que sua alegada inocência seja reconhecida pela Justiça.
Aturdidos com a reação inusitada de Lula, os procuradores da Lava Jato partiram para um lance também inusitado, caro aos advogados de defesa: resolveram pedir a progressão de regime de pena do petista, que já cumpriu 1/6 de sua pena e alcançou o direito de cumpri-la em liberdade parcial. No pedido apresentado, os procuradores alegaram que além de ter atingido o tempo previsto em lei, o ex-presidente também tem bom comportamento. A juíza Carolina Lebbos, responsável pela execução da pena de Lula, ficou incumbida de decidir pela aceitação ou não. Em princípio, ela pediu um relatório sobre a conduta de Lula na sala que ocupa desde abril de 2018.
“Lula não aceita qualquer condição imposta pelo Estado porque não reconhece a legitimidade do processo que o condenou e que o trouxe ao cárcere, onde está neste momento”, recitou o advogado Cristiano Zanin Martins, que defende Lula. Em carta, o petista afirmou que não troca sua dignidade pela sua liberdade e que não aceita barganhar seus direitos. De tão comum, a situação divide até especialistas sobre o direito de Lula recusar a progressão de regime. O criminalista Fernando Castelo Branco afirmou que por se tratar de um direito e não uma obrigação, o ex-presidente pode rejeitar o benefício. Por sua vez, João Paulo Martinelli entende que o petista não pode recusar a progressão, mas, sim, as condições impostas pela Justiça. Lula diz que não quer ser solto porque se acha vítima de um processo injusto conduzido de forma parcial pelo ex-juiz Sergio Moro e os procuradores da Lava Jato. Ele aposta suas fichas no Supremo Tribunal Federal, que está prestes a julgar um pedido de sua defesa para que reconheça a parcialidade e anule o processo do tríplex do Guarujá, no qual foi condenado. Ele também aguarda o desfecho do julgamento que decide a ordem de alegações finais de delatores e delatados, marcado para amanhã, do qual também poderá se beneficiar. O petista ainda acompanha se a Corte irá mudar seu entendimento para impedir a prisão antes do trânsito em julgado.
O regime semiaberto é um benefício concedido a preso que apresenta bom comportamento e que já cumpriu um sexto da pena. Em tese, deve ser cumprido em colônia agrícola ou em casas de albergados, onde ele dorme e passa o dia trabalhando em liberdade. Quando não há vagas suficientes nesses dois tipos de estabelecimentos, é comum que a Justiça conceda o regime domiciliar com o uso de tornozeleira eletrônica. Lula recusa-se a usá-la, com o argumento de que não é um pombo. Por ser ex-presidente, ele tem garantia de cumprimento de pena, também, em uma sala de estado-maior e seu domicílio é em São Bernardo do Campo, o que o afasta de estabelecimentos agrícolas penais. Enquanto volta a criar uma barafunda jurídica e gera um fato político destinado a apagar a História em que ele figura como réu acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, Lula persevera na tática de figurar na fita como herói a qualquer custo, o que está difícil de se materializar. De concreto, o vai-e-vem do ex-presidente produziu um fato: sustou temporariamente a orquestração de rua “Lula Livre” que vinha sendo propagada pelos lulopetistas. Como o partido também não planeja adotar o “Lula Preso”, o que seria uma incoerência estúpida, fica difícil erguer por enquanto a bandeirinha do “Lula 100% Inocente e Livre”. Lula volta a dar um nó no xadrez político e institucional brasileiro. É o seu esporte favorito, agora que está ocioso.
Nonato Guedes