Em meio a revelações bombásticas que faz no livro “Nada Menos que Tudo”, depoimento aos jornalistas Jailton de Carvalho e Guilherme Evelin, o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot resgata uma figura que circulou bastante na mídia e ultimamente parecia ter tomado um chá de sumiço: o ex-presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha (ex-PMDB-RJ), “o pior dos criminosos”, no julgamento de Janot, que diz guardar relatos assombrosos dos métodos de intimidação de Cunha. As revelações explosivas chegaram acompanhadas de um prognóstico: “Se não fosse a Operação Lava Jato, talvez Eduardo Cunha fosse hoje o presidente da República”.
Escapamos, então, de uma figura nefasta, treinada em expedientes excusos para conquistar poder. Cunha foi afastado do cargo de deputado federal em maio de 2016, a pedido de Janot, e depois condenado e preso. Dele, sabia-se que possuía uma força extraordinária na Câmara dos Deputados, com uma base de 150 a 170 parlamentares e com um sistema que o abastecia de dinheiro de corrupção. Não era de todo improvável que, uma vez longe dos rigores da Lei, Eduardo Cunha tivesse grandes chances de ser eleito presidente da República. A bancada por ele comandada era formada por expoentes do “baixo clero”, assim chamados os parlamentares sem maior projeção política nos núcleos do poder em Brasília.
Entre os integrantes da tropa de choque montada por Eduardo Cunha, de forma meticulosa, sobressaía o deputado federal paraibano Hugo Motta. Houve uma ocasião em que deu-se um episódio anotado pela mídia nacional: Cunha presidia a sessão da Câmara quando foi informado de que numa das salas de comissão o deputado Hugo Motta era bombardeado por inimigos de Cunha e não estava logrando safar-se do bombardeio. Incontinenti, Eduardo Cunha transferiu a presidência da sessão e dirigiu-se à audiência da comissão, onde sentou ao lado de Motta e emprestou-lhe decidida e incondicional solidariedade. Foi uma espécie de combustível providencial, já que Motta emitia sinais de encaminhar-se para passar a respirar por aparelhos, tamanho era o obstáculo levantado contra a sua autoridade.
Tempos depois, uma filha do então presidente da Câmara dos Deputados foi à cidade de Patos, na região das Espinharas, na Paraíba, prestigiar os festejos juninos, tendo sido recepcionada com nímia gentileza pelo “clã” de Hugo Motta. Alguns blogs e portais registraram a temporada da filha do ex-todo-poderoso dirigente da Câmara na festa junina paraibana. Mas Eduardo Cunha jogava alto, mesmo tendo convicção de que estava blefando. Ele teria sido incansável nos bastidores, colecionando votos para viabilizar o impeachment da presidente Dilma Rousseff, do PT. Dilma chegou a confidenciar que o jogo era pesado demais, o que foi confirmado por políticos de diferentes partidos, que tinham noção do estilo do ex-deputado carioca de partir para a agressão abaixo da cintura.
“Eu não faço avaliação de quem seria o melhor e de quem seria o pior, mas Jair Bolsonaro é um produto da queda do próprio Eduardo Cunha. No início de 2015, minha casa foi invadida e só levaram um controle remoto do portão. Era um recado, uma ameaça. Pelo cheiro, suspeito que foi obra do Eduardo Cunha. Não há evidência. ´É pelo cheiro mesmo”, conta Rodrigo Janot no seu livro. Cunha, de acordo com versões correntes entre parlamentares, sonhava alto – com a presidência da República. Enquanto a chance não chegava, exercitava uma porção do poder na Câmara Federal, fazendo e desfazendo pautas, ajudando governos petistas aqui e acolá em troca de vantagens ou conspirando ostensivamente para derrotas de governos petistas, quando estes não satisfaziam seus apetites.
Os depoimentos de políticos paraibanos, na época em que Cunha era todo-poderoso, convergiam para a falta de escrúpulos com que ele se movimentava no metro quadrado do poder em Brasília. Fizera carreira política no Rio, onde se compôs com Deus e o Diabo para angariar nacos de influência e sustentar uma posição influente em decisões que iam da questão do pré-sal ao feijão-com-arroz que é servido, na maior parte do tempo, nas sessões do Congresso Nacional. Cunha caiu pela infinidade de denúncias amealhadas contra ele. As digitais do ex-parlamentar fluminense eram indiscutíveis, principalmente em ações anti-republicanas. Sua passagem pela presidência da Câmara foi um retrocesso e as acusações a ele imputadas contribuem para que o cidadão comum possa desbaratar um modo de fazer política que é asqueroso. Como asquerosa era a figura de Cunha, que cheguei a ver de perto numa sessão especial da Assembleia Legislativa da Paraíba.
Nonato Guedes