O “Jornal Nacional”, da Rede Globo, principal noticioso de televisão do Brasil, está comemorando 50 anos. É o mais antigo programa da Globo em exibição. Sua história de meio século registra os fatos mais relevantes da história mundial, bem como as informações tecnológicas e de tratamento da informação que vêm transformando as comunicações em todo o mundo. No terceiro livro dedicado ao telejornal, de iniciativa do Memória Globo, há depoimentos de profissionais novatos e veteranos sobre as histórias que marcaram o JN, atualmente apresentado por William Bonner e Renata Vasconcellos. Um dos depoimentos é do jornalista Francisco José, da Rede Globo Nordeste, baseada em Pernambuco.
Chico é personagem familiar ao telespectador nordestino porque é um dos preferidos da Globo para matérias sobre esta região e o seu povo. Tem espírito aventureiro – fez coberturas internacionais de fôlego como a da guerra das Malvinas, em Comodoro Rivadávia, de onde foi expulso quando descobriram a sua identidade. Ele foi para o Chile, de onde passou a enviar matérias para o Brasil. De outra feita, ao fazer cobertura de um assalto a banco em Pernambuco, ofereceu-se como refém no lugar de mulheres e de crianças. Foi recriminado por ter se desviado da função de repórter, mas a Globo não o perdeu de vista. Chegou a ter aulas no Rio de Janeiro com a fonoaudióloga Glorinha Beuttenmuller, mas manteve o seu sotaque “porque ele é autêntico”.
“Durante quase dez anos – contou Francisco José no depoimento comemorativo – fui o mensageiro da miséria, em plena ditadura militar, onde vivíamos sob um rigor de censura tão forte que não se podia usar a palavra “fome” no ar, enquanto as pessoas, de fato, morriam de fome. O nosso desafio era falar sobre o assunto, mas sem dizer aquela palavra”. Nos anos 1980, o grande problema do Sertão era a seca, que Francisco José acompanhou como repórter para o Jornal Nacional. A pedido da produção do jornalismo, realizou viagens para o interior praticamente toda semana. A apuração era na rua, as pautas apareciam, não precisava de produção prévia. “Nunca vou me esquecer do dia em que dirigíamos por uma estrada de terra em uma caminhonete com ar-condicionado, ouvindo música. Era 1983. Olhei casualmente pelo espelho retrovisor e vi que atrás da poeira havia uma pessoa caminhando. Paramos o carro. Uma senhora correra mais de um quilômetro atrás de nós. Ao abrir a porta, vi que ela estava suada e empoeirada, chorava, não conseguia falar. Depois de beber água gelada, se acalmou e disse que queria que fôssemos à sua casa, ver seus filhos, que estavam morrendo de fome. Lá, ela me mostrou que o fogão à lenha não era aceso há quinze dias, não tinham o que comer”.
Diz Francisco José, amplificando o seu relato sobre o drama da estiagem no Nordeste: “O escritor Euclides da Cunha disse que o sertanejo é, antes de tudo, um forte. Mas, para mim, a mulher sertaneja é, antes de tudo, forte. É ela que assume a família quando os maridos vão para São Paulo procurar emprego. Essa era uma viúva da seca, assim como a dona Iraci, personagem de outra matéria que fiz naquele ano para o Jornal Nacional. Iraci morava em uma casinha de paredes de barro, coberta de palha, e tinha dez filhos. Todo dia, andava seis quilômetros para trabalhar em uma barragem, carregando pedras em um carrinho de mão de um lado para o outro. Os filhos só tinham uma refeição quando ela voltava a preparar alguma coisa. O mais velho cuidava dos menores e a família inteira dependia daquela mãe”, historiou ele.
Conheci Chico José quando eu era colunista político e repórter-editor do “Correio da Paraíba”. Ele mediou debates entre candidatos a governador do Nordeste na campanha de 1982. As gravações eram feitas nos estúdios da Globo-PE. Fui convidado para fazer perguntas aos candidatos Wilson Braga, Antônio Mariz, Derly Pereira. Mais tarde, já trabalhando na TV Cabo Branco, afiliada da Globo em João Pessoa, encontrei-me com Francisco José inúmeras vezes, quando ele vinha fazer matérias especiais por estas bandas. Como dirigente da Associação Paraibana de Imprensa, levei-o para uma palestra no auditório daquela entidade, que, naturalmente, ficou lotado. Enfim, estive presente no lançamento do seu livro “40 Anos no Ar – A Jornada de Um Repórter pelos Cinco Continentes”, na Livraria Leitura, em João Pessoa, onde se encontrava, também, Larissa Pereira, repórter da TV Cabo Branco, hoje âncora do JPB Segunda Edição e uma das estrelas do telejornalismo do Nordeste que irá marcar presença, em novembro, na bancada do Jornal Nacional. Antes de mim, Francisco José tinha um grande admirador e um discípulo na Cabo Branco – José Vieira Neto, seu amigo pessoal. É um dos melhores profissionais que já conheci na minha vida. E, claro, é o rosto do Nordeste no “Jornal Naciomal”.
Nonato Guedes